O Cotidiano em Letras inicia série sobre pessoas e lugares importantes. O pontapé é na Rua Araguaia, Vila Nova, em Londrina, onde dona Claudina, hoje com 87 anos, chegou com os pais Pedro e Sabina quando estava com 16 anos de idade. Nas fotos, Dona Claudina, o filho Kino durante conserto de uma sombrinha durante folga na oficina de moto, o neto Ralf, que está terminando o curso de jornalismo, e um pedacinho
da Rua Araguaia.
Oficina de motos guarda lembranças
Andar,
subir, descer, atravessar, lembrar, viver. Assim tem feito dona Claudina há 71
anos, desde que chegou ao bairro onde vive. Ela tinha 16 anos de idade e tudo
ao redor era mato. O barro pesava nos pés em época de chuvarada e a poeira
encardia as unhas na estiagem. Hoje dona Claudina tem 87 anos de idade. Os cabelos
estão grisalhos e as rugas, ao contrário do que as gerações recentes temem,
nela enfeitam o rosto.
Filha de
Sabina e do construtor Pedro, que levantou muitas moradias na Vila Nova, em
Londrina, desde o início dos anos de 1940 quando o lugar começou a receber
moradores, dona Claudina vence com disposição a idade e trabalha muito. Não só
na cozinha, na limpeza da casa e na lavagem das roupas, mas também na oficina
de motos do filho, Kino, localizada na Rua Araguaia.
Verdade.
Ela nasceu no dia 27 de junho de 1928 e ainda ajuda o filho no aperto de alguns
parafusos e na ida até as lojas de peças, a pé, para comprar aquilo que os
consertos exigem: cabos de freio ou do acelerador, velas, lâmpadas, espelhos e
outras coisas.
Kino é
batizado Alquetecrino Alves dos Santos. Está com 65 anos. Nasceu na Vila Nova,
no dia 22 de maio de 1950. Exceto curtos períodos em que tentou a vida em
outros Estados, como São Paulo e Rio de Janeiro, o resto da labuta de Kino tem
sido sempre em Londrina. E na Vila Nova.
Na terceira geração dessa família
de pioneiros tem o Ralf, de 27 anos, filho de Kino. A mãe dele, conforme
informa o pai, foi embora. Ralf está terminando o curso de jornalismo na
Unopar, em Londrina. Treina capoeira há dez anos e a sua monografia de
conclusão de curso (TCC) será sobre esta arte, com destaque para o Mundial
programado para breve e a trajetória de Mestre Fran, que deve ser honrado
simultaneamente ao evento com o cordão de Gran Mestre.
O mecânico Kino diz que com a
oficina tira sustento da família: “Ganha-se pouco, mas sempre tem serviço”,
afirma. Dona Claudina não reclama de nada. Como sempre fez na vida, ela
trabalha, com determinação. Kino se preocupa com o futuro profissional de Ralf.
O filho já enviou currículo para tudo quanto é lugar. E nada.
Com relativa dificuldade motora
Ralf usa um triciclo montado na oficina da família para se locomover. Espera-se
que num mercado saturado e cheio de maldades não seja este o motivo de nenhum
empregador ter dado uma chance ao futuro jornalista.
“O problema é que no mercado de
jornalismo tem que ter QI”, diz Ralf. “Concorda comigo? É Quem Indica o que
garante o emprego”, acrescenta Ralf. E eu, quarenta e quatro anos de trabalho,
dos quais trinta e cinco no jornalismo e na comunicação, concordo plenamente.
Dona Claudina lembra que o lugar
onde chegou quando estava com 16 anos era uma solidão. Mato era o que se via. A
Rua Araguaia nem estava traçada ainda. Só depois, na época em que as vias
públicas eram calçadas com o paralelepípedo, é que a Araguaia ganhou benfeitoria.
Mas as transversais continuaram chão de terra. Uma das paralelas, a Rua Tietê,
também não existia e passou a ser conhecida, tempos depois, como “bananal”. As
mães amedrontavam os pequenos: “Não vão brincar no bananal que o homem do saco
pega vocês”.
Acima, onde hoje existe a Avenida
Leste-Oeste, passava a linha férrea. A estrutura que atualmente abriga o
Consórcio Intermunicipal de Saúde foi sede, por um tempo, do antigo Sandu, que
era uma espécie de pronto socorro público do passado.
A Araguaia começa na Rua Guaporé
e termina na Avenida Rio Branco. É cortada de um lado por nove transversais e
de outro por dez. Já a Vila Nova se estende de Oeste a Leste da Avenida Rio
Branco até a Rua Bahia. De Norte a Sul seu tamanho é da Avenida Brasília até a
Leste-Oeste, cujo nome oficial é Avenida Arcebispo Dom Geraldo Fernandes.
A Vila Nova, na verdade, é
referência para dezenas de outras comunidades localizadas naquela região. A
lista é grande: Chácara Agari, Chácara Pietraróia,
Jardim Agari, Jardim Guaporé, Jardim Oguido, Jardim Yoshikawa, Nossa Senhora do
Desterro, Parque ABC, Parque São Cristovam, Residencial Tietê, Vila Adolfo,
Vila Aparecida, Vila Conceição I, Vila Conceição II, Vila Mendonça, Vila
Monteiro, Vila Nalin, Vila Nóbrega, Vila Paraíso, Vila Primavera, Vila Rando,
Vila Surujus e Vila Tabapuã.
Foi a primeira vila de Londrina a
ter um cinema, o Cine Espacial, bem no comecinho da Rua Araguaia. Abriga em uma
das transversais, a Rua Grajaú, o Santuário de Nossa Senhora Aparecida. A
Araguaia também leva ao antigo Grupo Escolar Nilo Peçanha, agora estadualizado.
O cinema virou depois salão de baile e agora é um estabelecimento comercial. Na
esquina de cima existiu, também próximo a um salão que abrigava uma associação
recreativa, a sede da antiga Escola de Samba Unidos Independentes.
A Rua Araguaia é hoje
predominantemente uma via de negócios: padarias, bares, lojas de peças,
oficinas, postos de combustíveis, empresas de refrigeração e de artigos de
borracha, produtos de pesca e som automotivo são abundantes.
De tudo um pouco nas horas de folga
A oficina
de conserto de motos do pioneiro Kino é a principal atividade econômica da
famíla, mas o pioneiro da Vila Nova também tem outras ocupações. Nas horas de
folga ele até conserta sombrinhas e guarda-chuvas.
É também um
artista. Kino já construiu barcos usando somente garrafas pets. Uma está nos
fundos do quintal da casa e oficina. Kino já chegou a vender barcos. Agora está
construindo mais um. Também podem ser vistos na oficina bonecos-robôs feitos
com embalagens de lubrificantes automotivos.
Nas fotos, um barco construído com garrafas pets por Kino, que além de mecânico de motos também conserta sombrinhas e usa a criatividade para montar robôs feitos com embalagens de lubrificantes automotivos.