A pergunta veio na lata, sem dó e nem piedade:
- Então, o que você fez de bom em 2011? Faz um balanço mas sem muito critério.
- Hummmm... tantas coisas. Bom em que sentido?
- Sei lá. São tantas e não consegue dizer? O que há?
- Não é isso. Bom para mim ou para outras pessoas?
- Ah, não enrola. Começa com o que fez de bom para si próprio.
- Troquei de carro e aceitei a pendência com o financiamento habitacional. Deixei tudo redondo.
- E fora o material? Aquelas outras pendências complicadas, como é que ficaram?
- Vixe! Nem me fale. Ficaram mais complicadas ainda. Ali deixo tudo em aberto. Nem aceno de solução aprontei.
- É! Então de alma está devendo e muito. Nenhuma chance de acerto nestas horas finais de 2011?
- Que nada. Evito até pensar. No começo de 2012 dou um jeito.
- E vejo que não cumpriu a promessa de parar de fumar este ano...
- Mas tentei. Na imagina quanto. Até troquei a marca do cigarro para ajudar. Passei a comprar um mais barato e forte. Assim vou diminuindo aos poucos.
- Igualzinho o que eu fiz. Mas não resolve. Acostuma com o mais forte e ruim e fica nisso. Não adianta. Nisso estamos empatados.
- Verdade. Se tivéssemos feito aquela aposta ninguém devia para ninguém. Ou ambos estaríamos devendo um para o outro.
- É! Uma dívida pesada.
- No começo do ano a gente tenta juntos. Um incentivando o outro é mais fácil. Mas é sério mesmo. Controlar cigarro quando juntos e fumar escondido é sacanagem.
- Mais que isso. É traição, né? Igual infidelidade conjugal. E sabe que é fácil viciar na mentira, né? Mole, mole. Mente um pouco hoje, mais um tanto amanhã e vai de acostumando...
- Então definimos agora: dia 2 de janeiro. Que tal?
- Mais para frente. Na segunda semana de janeiro é melhor porque a ressaca da virada do ano já foi embora.
- Mas logo chega o carnaval. E daí? Como é que fica? Carnaval é período brabo.
- Eu não ligo muito. É a mesma coisa. Para mim ta valendo janeiro e pronto. Se tem que parar de fumar, que seja depois das festas da virada.
- A gente conversa na época e define.
- Ah, também voltei à igreja em 2011. Mas consciente, sem carolice. Maduro. Vou porque quero, sem pressão de mulher, vizinho ou o que valha. Vou e não entro nas conversas do padre e dos carolas. Vou por mim e tenho o meu diálogo silencioso.
- Isso é bom. Grande feito. Principalmente se não é por obrigação. Eu ainda estou refletindo. Mas estou pendendo de voltar. Também por conta e sem aparas. Quero ir comigo mesmo.
- Claro, vale a pena. Eu, por exemplo, me concentro nas minhas reflexões quando começam a falar bobagens. E me esforço tanto que consigo definir muito bem em que eu tenho fé. E confesso: a igreja ainda me traz muitas dúvidas.
- Que coisa, não? Parece uma amarração. Os caras impõem até o modelo de fé que você tem que ter.
- Nem falo. Tenho sentido isso, mesmo com vontade de ser neutro. Mas agora continuo e vou crescendo comigo mesmo. Decidi assim.
- E mais, o que você fez? No estudo, no trabalho, na comunidade?
- No trabalho tentei grandes projetos. No fim acabei concluindo que o melhor é fazer o que deve ser feito.
- Igual. Engavetei um monte de coisas para evitar problemas. Toquei em frente naquilo que é obrigação.
- E nisso não tenho do que me envergonhar, cara. Trabalhei muito. Mas no trivial. Agora, nos estudo, estanquei. Pretendia, mas analisei que já estou velho para teorias. Nem especialização e nem mestrado.
- E aquele sonho de aulas? Detonou?
- Deixei passar. E na comunidade tentei. Mas me intimidei quando vi que em certos lugares, se não tiver interesse político, o sistema te engole. Então me limitei ao condomínio. Lá fiz algumas coisinhas. Sabe que pela primeira vez desde que o prédio foi entregue, há quase 20 anos, conseguimos fazer uma confraternização de fim de ano?
- Isso é grande, cara! Grande mesmo! Eu nunca conversei com o meu vizinho da frente.
- Então. Enfim, não fiz quase nada. Tentei muito mas fui serviçal. As coisas mais de idéias não aconteceram.
- É! Então somos a mesma pessoa. Percebo ai certa frustração. Então saia da frente do espelho. Não foi tão ruim assim. Mas sendo o seu reflexo nada posso fazer para melhorar.
- Certo. Nos veremos. Tenho ainda muitos dentes para escovar, barbas para aparar, cabelos para pentear até a virada do ano. E, na verdade, só tenho você ai do outro lado do espelho para conversar.