Silêncio total. Nenhum porém. Absolutamente ninguém contestou ou elogiou. Mas, diante daquele espelho com manchas de pasta dental e pontos de ferrugem, o sujeito do lado de fora do vidro encarou o sujeito do lado de dentro. Ou foi o contrário? O sujeito do lado de dentro do espelho olhou para o sujeito do lado de fora?
Coisa de louco isso. Mas reflexo da realidade, já que reproduz exatamente o que se vê de um lado e outro. Primeiro se admiraram. O de fora achou o de dentro bonito.
E o de dentro ensaiou um olhar sedutor, repetindo o que o de fora fazia. Gastaram nessa recíproca uns cinco minutos até que o de dentro sumiu no exato momento em que o de fora se afastou do espelho.
As duas ausências foram breves. Coisa de quarenta segundos, pouco menos ou pouco mais. É que o de fora voltou ao espelho para fazer aquilo a que havia se proposto na primeira vez que mirou o do lado de dentro, e por descuido deixou em aberto. Nada mais nada menos que fazer uma pergunta a si próprio, olhando-se enquanto conferia as narinas para checar se havia necessidade de aparar os pelos.
E qual era a pergunta mesmo? - o de fora perguntou para o de dentro. Seria aquela do espelho, espelho meu? - indagou o de dentro para o de fora. Ah, lembrei. Você escreveu sobre o Zé, o leão. Colocou-o por terra, deitou-lhe desprestígio. Aniquilou.
E isso foi dito com o dedo em riste apontado para o reflexo no espelho. Pareceu ensaiado e muito teatral. No que o do lado de dentro, como se imitasse o do lado de fora, ponderou que por justiça deveria dedicar mesmo espaço, mesmo tanto de pontos, igual quantidade de vírgulas e de exclamações para o texto da Zezona.
Esta sim seria uma leoa com mugido grosso e áspero. E o mugido foi justo. Coube para evitar repetição. Se o Zé rugia, a Zezona mugia. Tanto é que se elegeu a suprema, com direito a espaço considerável em programa de televisão, banheiro exclusivo, cirurgias plásticas e botox.
Foi então que o do lado de fora sumiu de vez. Bateu a porta do apartamento e desceu onze andares a pé. Lá longe, diante daquela vitrina, o do lado de dentro o esperava quando o do lado de fora parou para especular a etiqueta de preço de uma botina modelo sapatão. E um se perguntou ao outro: nos pés de quem será que isso cabe?
Que coisa de louco este texto...
quinta-feira, 11 de novembro de 2010
quarta-feira, 10 de novembro de 2010
Crônica - Enfim, a vencida história do Zé
O fogo apagou e das cinzas poucas restaram. Foram levadas pelo vento e lavadas pelas enxurradas. Choveu depois daquilo tudo. Uma loucura de agenda, cheia de ir e vir e chegar sempre ao mesmo lugar.
Alguém disse que o Zé foi um leão. Não se sabe a que leão esse alguém se referiu. O leão que comanda um time de futebol e mais do que rugir rosna? O leão do fisco que sorrateiramente vigia todas as suas contas? O leão do circo, aquele que se faz de manso mas nem o domador sabe quando a mansidão escoa? O leão enjaulado num zoo, preso feito um mico dourado?
Ah, entendeu-se que o leão do Zé é aquele da selva. Rei, dominador, supremo no meio da mata. Juba avermelhada, olhar fixo, babando diante da presa. Feroz e absoluto. Dono do pedaço. Porém cordeiro diante dos disparos das armas de fogo. Caça e caçador, caçador e caça.
Então o Zé, que naquele passado de privilégios viveu de regalias, de repente se viu só no meio da selva urbana. Acuado. Solitário, embora rodeado de pessoas que passavam-lhe o lenço para enxugar o suor e rebatiam com as costas das mãos os ciscos do paletó.
O Zé, na verdade, virou personalidade. E toda personalidade vive cercada de admiradores. Ou nem tanto. Alguns que cercam pessoas como Zé fazem isso por algum tipo de interesse. Alguns? Muitos.
Mas Zé queria ser mais personalidade que qualquer um. E numa disputa se deparou com alguém que era tão personalidade quanto ele. Por isso lotou a agenda de idas e vindas. Para apertar mãos, demonstrar força, ser como o leão da selva, o rei.
Imaginou nessa empreitada que as pessoas que o cercavam queriam ajudá-lo a ser mais personalidade que o oponente. Ingenuidade. Alguns até queriam o Zé supremo, mas para dele tirar proveito.
E o Zé, coitado, no meio da multidão se viu só. Foi alvo de bolinha de papel, levou rolo de adesivo na cabeça e finalmente aniquilado com rajadas verborrágicas certeiras. Fino e educado manteve-se de pé o quanto pode. Quando reagiu descendo ao nível das provocações foi contra a própria vontade. É que as pessoas que o cercavam, algumas delas especialistas em embates fúteis, o convenciam até à exaustão. E o tiro voltou para o atirador, como se arma estivesse apontada para a própria cabeça.
Enfim o Zé sucumbiu num Dia D, desfalecendo diante do julgamento a que foi exposto: o Zé não serve para ser a nossa personalidade, o Zé é fraco, o Zé não é um leão. Assim o Zé foi derrubado, solitário no meio de toda aquela gente que fazia cara de tristeza na tentativa de demonstrar solidariedade.
O Zé perdeu o trono e o rumo. Nem chegou à praia para morrer. E muita gente que deitou as costas das mãos no paletó dele para derrubar cisco deve estar na outra fila, com espelho de bolso na mão, uma coleção de batons e muita cara de pau para reverenciar uma nova personalidade.
A vida é assim mesmo, Zé. Vai dizer que você não sabia?
Alguém disse que o Zé foi um leão. Não se sabe a que leão esse alguém se referiu. O leão que comanda um time de futebol e mais do que rugir rosna? O leão do fisco que sorrateiramente vigia todas as suas contas? O leão do circo, aquele que se faz de manso mas nem o domador sabe quando a mansidão escoa? O leão enjaulado num zoo, preso feito um mico dourado?
Ah, entendeu-se que o leão do Zé é aquele da selva. Rei, dominador, supremo no meio da mata. Juba avermelhada, olhar fixo, babando diante da presa. Feroz e absoluto. Dono do pedaço. Porém cordeiro diante dos disparos das armas de fogo. Caça e caçador, caçador e caça.
Então o Zé, que naquele passado de privilégios viveu de regalias, de repente se viu só no meio da selva urbana. Acuado. Solitário, embora rodeado de pessoas que passavam-lhe o lenço para enxugar o suor e rebatiam com as costas das mãos os ciscos do paletó.
O Zé, na verdade, virou personalidade. E toda personalidade vive cercada de admiradores. Ou nem tanto. Alguns que cercam pessoas como Zé fazem isso por algum tipo de interesse. Alguns? Muitos.
Mas Zé queria ser mais personalidade que qualquer um. E numa disputa se deparou com alguém que era tão personalidade quanto ele. Por isso lotou a agenda de idas e vindas. Para apertar mãos, demonstrar força, ser como o leão da selva, o rei.
Imaginou nessa empreitada que as pessoas que o cercavam queriam ajudá-lo a ser mais personalidade que o oponente. Ingenuidade. Alguns até queriam o Zé supremo, mas para dele tirar proveito.
E o Zé, coitado, no meio da multidão se viu só. Foi alvo de bolinha de papel, levou rolo de adesivo na cabeça e finalmente aniquilado com rajadas verborrágicas certeiras. Fino e educado manteve-se de pé o quanto pode. Quando reagiu descendo ao nível das provocações foi contra a própria vontade. É que as pessoas que o cercavam, algumas delas especialistas em embates fúteis, o convenciam até à exaustão. E o tiro voltou para o atirador, como se arma estivesse apontada para a própria cabeça.
Enfim o Zé sucumbiu num Dia D, desfalecendo diante do julgamento a que foi exposto: o Zé não serve para ser a nossa personalidade, o Zé é fraco, o Zé não é um leão. Assim o Zé foi derrubado, solitário no meio de toda aquela gente que fazia cara de tristeza na tentativa de demonstrar solidariedade.
O Zé perdeu o trono e o rumo. Nem chegou à praia para morrer. E muita gente que deitou as costas das mãos no paletó dele para derrubar cisco deve estar na outra fila, com espelho de bolso na mão, uma coleção de batons e muita cara de pau para reverenciar uma nova personalidade.
A vida é assim mesmo, Zé. Vai dizer que você não sabia?
quarta-feira, 3 de novembro de 2010
Crônica - E lá se foi a democracia
Colocaram os dois no meio de um bocado de pessoas ávidas por respostas corretas e sinceras a tanta perguntas que ao longo dos últimos dias não haviam sido respondidas. Aquilo parecia uma arena. Descendo um pouco mais, algo que lembrava uma rinha, onde os galos de briga ciscavam teimosamente as suas esporas antes de partirem para o ataque.
Coisa de cegos, feito touros nas touradas diante do pano vermelho tremulando e aumentando a raiva. A fúria dominando, a ponto de se esquecer o limite do uso de gerúndios e insistir “lando”, “tando” e “nando” num curto parágrafo só para respaldor o tamanho da situação.
Num exemplo mais cotidiano e próximo do cidadão, seria o mesmo que testemunhar na boca da manhã um motorista raivoso, buzinando, costurendo, xingando e azucrinando quem vai ao lado ou à frente só porque brigou com a mulher e saiu atrasado de casa. Nesse ponto, o estado de espírito do sujeito desceu para a bunda e, falando sério, com o olho de baixo ninguém enxerga nada. E só ai foram mais cinco gerúndios.
A peleja toda era para escolher um síndico. E é ai que entrava a primeira polêmica: havia uma candidata mulher e até no edital de convocação da assembléia com os condôminos a comissão eleitoral teve que grafar que o evento era para eleger “o síndico” ou “a síndica”.
Detalhista, o redator deu-se a besta de escrever no edital que “a gestão do administrador eleito” é de dois anos. Teve que mudar o texto e pagar nova publicação no jornal do bairro, que garantia circular com dez mil exemplares mas se sabia, a gráfica nunca rodava mais de mil. Então ficou assim: “...a gestão do administrador eleito ou da administradora eleita...”
Pior foi quando a candidata foi colar um panfleto na porta do elevador e derrubou o rolo de adesivo na cabeça do oponente. Irado, ele devolveu atirando uma bolinha de papel nas costas da adversária.
No dia seguinte, ela esbarrou nele segurando uma caneca de água e disseminou que o adversário é que havia lhe dado um empurrão. Os dois saíram molhados. Ele desaforou rasgando a correspondência dela que havia sido entregue pelos Correios. E ela, com isso, deixou de pagar a fatura do cartão de crédito.
Usaram também a fé dos condôminos para trocarem calúnias e difamações. Ela acusou ele de ser evangélico, mas freqüentar nas sextas-feiras um terreiro de umbanda. Ele acusou ela de ir à igreja católica com vestido decotado só para ser observada pelo diácono.
E não havia proposta de nenhuma das partes. A reforma daquele elevador barulhento e medonho, por exemplo, não entrou na pauta de ninguém. O custo elavado da taxa condominial foi desprezado. E a ação contra os proprietários de cães, autores de sujeiras nos jardins e nas garagens, nem mereceu menção.
Por isso surgiu a idéia do debate. E se reuniram naquela tarde de sábado no salão de reuniões justo quando o ar condicionado pifou. Desceram dos apartamentos uns cinqüenta. Até gato participou da reunião. Crianças, então, aproveitaram a ocasião para brincar lá embaixo, correndo entre os carros e esbarrando nos vasos de flores.
Ficaram os dois no meio daquela multidão. Ciscando, empinando a crista, afiando as garras e alinhando os chifres. Pouco falaram de concreto, pois a coisa ficou no bateu levou o tempo todo. Isso foi iniciado no meio da tarde e lá pelo horário da chegada da edição de domingo do jornal local, no começo da noite de sábado, ambos, já sem platéia, ainda rosnavam e obrigavam o responsável pela elaboração da ata a uma sucessão de gerúndios: quando, estando, formalizando, complementando, acrescentando, retrucando, repetindo e tal.
Deu tempo para o redator da ata ler todo o jornal, inclusive os classificados. Atordoado, ele deixou os adversários na rinha e saiu. Enquanto ajeitava as tiras das havaianas nos pés, falou alto, mas consigo mesmo: “Vê se pode um jornal de domingo ser lido inteirinho no sábado...”
Nada a ver com o último debate dos presidenciáveis no segundo turno. Ali, ele e ela até se comportaram, embora nada tenha dito de propositivo.
segunda-feira, 25 de outubro de 2010
Crônica - Botando pra quebrar
Arlindo era um menino de calção largo e botões da camisa presos em casas erradas quando via seu pai, lá naqueles 15 de novembro de antigamente, botar a calça preta de tergal para ir votar. O garoto perdia preciosos minutos de brincadeiras no quintal para refletir:
- Botar... como é isso? Igual galinha bota ovo? Será que dói muito?
Ele se fazia perguntas. Muitas perguntas para si mesmo, pois naquele antigamente o filho não ousava fazer qualquer pergunta ao pai por medo de levar um corretivo.
- Se for que nem galinha, todo mundo fica olhando?
O pai, um balconista de loja de ferragens, trabalhava de segunda a sábado metido num macacão de brim azul escuro. Uma vestimenta suada, empoeirada e manchada de graxa por culpa do peso do ofício. Não tirava da cabeça um velho boné desbotado com a marca de um fabricante de peças estampado acima da aba. No rosto, a barba por fazer era uma marca que só desaparecia nos finais das tardes dos sábados e deixava a cara lisa também nos domingos, quando a família assistia a missa matinal.
A calça de tergal era de uso domingueiro, assim como a camisa branca, de colarinho duro e mangas longas. Havia um ritual nos cerca de 20 minutos que o pai gastava todos os domingos para se aprontar.
Depois do café com pão caseiro feito na véspera, ele ia ao banheiro e de lá saia com os cabelos penteados para trás e ajeitados com muita brilhantina. Primeiro vestia as calças, após jogar ao lado da cama o pijama. Depois procurava um par de meias, de cor escura, e sentado na beira da cama tratava de ajeitar cuidadosamente os canos das ditas sobre as canelas, de forma a não amarrotar as pernas das calças. Em seguida os sapatos.
Parecia um sacrifício ver aquele homem encaixando os calçados nos pés. Brilhantes de tanto nugget e lustro, aquilo engolia devagar o calcanhar até toda a sola do pé se acomodar. As amarras eram com os laços planejados milimetricamente, para que ficassem do mesmo tamanho.
Só então chegava a vez da camisa branca e engomada. Com os botões fechados, a barra e todo o resto que sobrava até a altura da cintura eram colocados para dentro das calças. O cinto de couro era afivelado e então o homem dava duas dobras em cada manga, com um cuidado extremo para que não sobrassem pregas mal feitas.
Antes de sair para a igreja, ele conferia os cabelos diante do espelho pendurado com um barbante ao lado da porta do banheiro e aproveitava para alisar mais uma vez os cabelos, de frente para trás, com o uso do inseparável pente flamengo.
Mas o 15 de novembro, pelo menos naqueles anos, nada tinha a ver com um domingo. Então por que o pai usava roupas e costumes domingueiros para ir botar? Um dia ousou fazer essa pergunta à irmã e só obteve de resposta que era por ser feriado e o pai ia fazer uma coisa importante que nem todo dia 15 de novembro ele podia fazer. E o menino se torturava, imaginando o pai diante de outras pessoas colocando um ovo.
- Por que será que homem tem que botar? O que fazem com os ovos botados pelos homens?
E se torturava cada vez mais, a ponto de concluir que quando chegasse a sua vez se negaria. Muito depois, quando já estava no ginásio, soube numa aula que uma coisa não tinha nada a ver com outra. Seu pai ia votar, e não botar. Também pudera, naqueles antigamentes os pais eram rigorosos e os filhos tinham medo de fazer certas perguntas. E os pais, o menino soube depois, naqueles tempos tinham muito receio de falar de política.
A moral da história: neste segundo turno das eleições majoritárias de 2010, quando será escolhido o futuro presidente do Brasil, a campanha eleitoral tendo dois candidatos como personagens de um filme de briguinhas sem graça é de tão baixa qualidade que votar, realmente, é um ato tão doloroso quanto ver uma galinha botar.
E isso não tem graça não. Dói de sair lágrimas e chorar muito mesmo. E o menino, se ainda vivesse na inocência, perguntaria:
- O que a senhora e o senhor candidatos estão fazendo com os nossos pais?
segunda-feira, 18 de outubro de 2010
Crônica - Já escolheu o seu tiririca?
Havia inocência nas brigas de turmas das salas de aula. As meninas disputavam a preferência das professoras e as batalhas eram com presentes. Levavam às mestras flores e frutas que ficavam nas mesas, bonitas e apetitosas. Os meninos ensaiavam uma espécie de poder nas formações que chamavam de trincas. Fulano pertencia à trinca de sicrano. Beltrano era da trinca adversária. Neste caso, uma briga de rua, na saída da escola, era a melhor manifestação de supremacia para os vencedores.
Às vezes a verborragia era a arma mais poderosa. A fulana que falou mal de sicrana para beltrana rendia rompimentos de grave efeito. Então sicrana virava a cara com fulana e beltrana, após o necessário aviso: “Estou de mal de vocês duas”.
Os meninos evitavam as professoras e no ambiente escolar as provocações eram veladas. Empurrões desaforados, mas com disfarces de incidentes, desmanchavam as filas formadas nos pátios dos estabelecimentos de ensino antes da entrada nas salas de aula.
Era assim naquele tempo. Ninguém entrava antes numa sala. Havia sempre uma fila, puxada pela professora. E ela só puxava a fila depois que todos cantassem o Hino Nacional e a diretora transmitisse os recados diários. Então o sinal batia forte, feito sirene de fábrica, e os alunos seguiam para as suas salas.
Aquilo era disciplina. E olha de quem infringisse a ordem. A punição era certa e de acordo com a gravidade da infração podia se limitar a uma permanência de pé, ao lado da lousa e perto do armário onde os livros eram guardados, enquanto os colegas aprendiam as lições do dia.
Mas em casos mais extremos a diretora era chamada. O infrator, além de um severo sermão, era punido com puxões de orelhas. Além dessas ações de advertência, às vezes o aluno era suspenso. E o comunicado sobre a suspensão tinha que ser assinado pelos pais. Imagina o drama.
Ainda assim ocorriam brigas e puxações de tapetes. Mas num tamanho de maldade que era quase inocente. Falar mal de alguém, sujar a camisa do outro, derrubar a bolsa de fulano, rasgar o guarda-pó branco que fazia parte do uniforme escolar, riscar o caderno do adversário, jogar água nas pessoas que eram do contra.
Coisas primárias, não acham? Sim, primárias demais diante do que se observa no panorama político deste Brasil. Os dois adversários conseguiram transformar este país numa república de cotistas e de minorias. Se você é beneficiário de uma bolsa assistencial, você está incluído nos debates. Se você aprova ou desaprova o casamento entre pessoas do mesmo sexo, você está inserido. E assim por diante.
Agora, caso você seja um trabalhador, que precisa de um bom programa habitacional, uma relação de trabalho justa, uma economia estável, uma saúde pública de qualidade, uma segurança sem sombra de dúvidas e uma sociedade que oportunize uma vida sem tantos apertos, caia fora. Você está excluído.
Temos dois candidatos a presidente. Os dois discursam para uma pequena parcela dos brasileiros. Ou reagimos a isso ou compramos uma cabine dupla com som estourado e botamos nele toda a coleção nacional de sertanejo universitário.
O resto é fácil imaginar. Entra as opções, que tal aproveitar a formatura e estourar rojões dentro de um hospital universitário? Para os mais acomodados, está pintando uma nova edição do BBB, o de número 11. E ficamos com medo de alguém dizer que a culpa é da maioria, usando do seguinte argumento: quem sustenta o BBB até a 11ª edição e vota nos tiriricas tem que pagar pelas conseqüências.
Agora, fala aqui baixinho, no ouvido: em qual dos tiriricas você vai votar para presidente?
sexta-feira, 15 de outubro de 2010
Crônica - Alicerces
Uma simples homenagem aos professores
Guardou numa pequena caixa de madeira um pedaço de giz de cada professora que fez parte de sua infância e parte da adolescência. Desenhou com uma agulha de costura o nome delas, de forma que cada pedaço tivesse a sua própria identidade: Marilza, Ana, Nilza, Matilde, Helena e tantas Marias.
Transformou tudo aquilo em relíquias. O giz da professora Marilza foi embrulhado com papel celofane verde. Deu a si mesmo a explicação para o uso daquela cor: esperança. Sim, porque foi com aquela professora que tudo começou.
Aprendeu nas aulas dela a escrever e a ler o a, depois o e, quando veio o i, o o e o u. Depois conheceu o b, o c, o d e todo o abecedário, que parecia um mistério quando a ponta do lápis quebrava na terceira linha e em pouco tempo se transformou em algo tão corriqueiro a ponto da caneta deslizar com leveza por uma folha inteira.
O giz da professora Ana foi embrulhado de azul. Porque era a sua cor predileta e naquele tempo menino evitava o avermelhado para não ter que dar explicação aos colegas sobre a escolha de uma tonalidade tão feminina. Foi com o giz da professora Ana que ele aprendeu a ler e a interpretar os primeiros textos.
O giz da professora Matilde recebeu uma capa amarela. Para essa cor nem ele teve uma justificativa sólida. Conformou-se em admitir que havia aproveitado uma sobra da capa que a irmã, já no quarto ano, havia comprado para um livro. E o giz da professora Matilde havia tido papel importante, quando riscou na lousa as operações matemáticas mais complicadas.
O giz da professora Nilza recebeu um capa de plástico transparente. E para ter consigo mesmo que não havia acontecido um desprezo na ausência de cor, alivia-se pensando que o material usado como capa era de melhor qualidade. Com o giz da professora Nilza conferiu os resultados de muitos problemas, navegou por mares distantes no atlas da geografia e conheceu alguns fatos do descobrimento do Brasil.
Até que chegou o tempo em que os tocos de giz deixaram de ter importância. Quando muito eles eram usados nas batalhas travadas pelos meninos a cada intervalo entre as aulas do colégio. Não fosse o zelo da mãe, nem a caixa de madeira com os embrulhos verde, azul, amarelo e transparente teriam resistido.
Pois foi justamente após uma aula na pós-graduação, sem giz e nem lousa, com computador e um sofisticado projetor de imagem, que ele, na volta para casa, comparou o ontem com o hoje para sondar sobre o amanhã.
Afoito, tirou a mãe já idosa do sofá para saber onde ela havia guardado a caixa de madeira: "Na última gaveta do seu armário, meu filho. Aquela onde você costuma guardar tudo aquilo que considera imprestável, mas nunca ousa se desfazer".
E ele tocou em cada toco de giz, como se apertasse o coração a cada toque, justo no momento em que terminava o 15 de outubro, Dia do Professor.
terça-feira, 12 de outubro de 2010
Homenagem - Criança e Senhora Aparecida
O 12 de outubro é especial. Porque é das Crianças. Porque é de Nossa Senhora Aparecida. Porque é do Brasil e dos brasileiros.
Em Londrina, as comemorações foram concentradas na Vila Nova, onde o Santuário de Aparecida acolheu romeiros de toda a região durante o dia todo. As missas foram celebradas a partir da 6h15, prosseguindo até o final da tarde, com uma celebração na praça em frente à Paróquia.
Nas homílias, o que mais se ouviu foi um apelo para a consciência nacional. Sem forçar a barra, os celebrantes pediram à benção de Nossa Senhora Aparecida para que saibamos, inclusive, como eleitores saber escolher candidatos que sejam dignos e éticos e que atuem em defesa dos brasileiros, e não de seus interesses pessoais.
É este o Brasil que queremos para as nossas crianças. Mas para todas as crianças brasileiras, e não somente àquelas que são vítimas de homens que se rendem à corrupção, ao jeitinho, aos favores e influências por interesses próprios e de apadrinhados.
As crianças precisam de homens que possam mirar, sem constrangimento, a imagem de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, da mesma forma que conseguem se mirar com arrogância nos espelhos e nos brilhos das vitrinas.
O vídeo postado abaixo foi propositalmente produzido sem áudio:
CONSAGRAÇÃO A NOSSA SENHORA APARECIDA
Ó Maria Santíssima, que em vossa querida Imagem de Aparecida espalhais inúmeros benefícios sobre todo o Brasil, eu, embora indigno de pertencer ao número dos vossos filhos e filhas, mas cheio do desejo de participar dos benefícios de vossa misericórdia, prostrado a vossos pés, consagro-vos o meu entendimento, para que sempre pense no amor que mereceis. Consagro-vos minha língua, para que sempre vos louve e propague a vossa devoção. Consagro-vos o meu coração, para que, depois de Deus, vos ame sobre todas as coisas.
Recebei-me, ó Rainha incomparável, no ditoso número de vossos filhos e filhas. Acolhei-me debaixo de vossa proteção. Socorrei-me em todas as minhas necessidades espirituais e temporais e, sobretudo, na hora de minha morte.
Abençoai-me, ó Mãe Celestial, e com vossa poderosa intercessão fortalecei-me em minha fraqueza, a fim de que, servindo-vos fielmente nesta vida, possa louvar-vos, amar-vos e dar-vos graças no céu, por toda a eternidade.
Assim Seja.
Este pequeno texto e as imagens são publicadas simultaneamente neste blog e em dois outros com os seguintes endereços:
http://maesanta.blogspot.com
http://foradomercado.blogspot.com
quarta-feira, 29 de setembro de 2010
Crônica - Coisas sem cara
Sim, o Paraná não terá um governador. O eleito governará Curitiba. Porque o resto do Estado é o resto. O debate frio e, por que não, calculista, promovido por uma rede de televisão comprovou isso.
O Paraná tem 7.601.553 eleitores. Imagine isso escrito grande: sete milhões, seiscentos e um mil e quinhentos e cinqüenta e três eleitores. Quantas letras e quantas palavras. É para falar de boca cheia, pausado e com entonação.
Não é idéia transformar este humilde texto em mais uma contribuição para aquela antiga rixa, às vezes velada, outras vezes exposta: Norte versus Sul. Nada disso. Quem descascou a ferida foram os protagonistas do show eleitoral que denominaram de debate. Aliás, tudo certinho, cronometrado e chato. Do tipo, “o senhor pode responder a pergunta...”
Então os dois principais adversários daquela briga de bocas murchas decidiram, por interesses eleitorais, transformar o Paraná num pedaço do Estado. Curitiba tem 1.309.961 eleitores, o que dá 17,233% daqueles 7.601.553. Pior: o resto é a maioria.
Mas apelaram e polarizaram lá para a Capital. Um porque sabe mais de lá e conhece muito pouco do resto. Outro porque precisa conquistar o eleitorado de lá, imaginando que o resto já está garantido.
O problema é que esse vício feio e preconceituoso não é exclusividade de político. Certa vez uma repórter de televisão, novata na profissão e ainda com o pacote de fraldas dentro da bolsa saiu de Cambé, que pertence ao resto, para trabalhar na Capital.
Repórter novato, mesmo com boa bagagem de conhecimento, é chamado de foca pelos colegas. Aquela que trocou o resto pela Capital era foca mesmo. De boca cheia, metida na petulância, chamou o resto de interior do Estado num dos seus trabalhos. O interior que saiu da boca dela foi entoado, quase irônico, desaforado.
Quer dizer, o resto tem mais de seis milhões de eleitores. O resto somos nós, do interior. Mas a história, pelo visto, se repetirá. O resto trabalha e elege xaropinhos que por dois anos após a posse ficam lá. Depois, na outra campanha eleitoral, aparecem e são entrevistados como supremos por emissoras de televisão que colocam a groselha de má procedência e qualidade em destaque.
Que debate foi aquele, senhores telespectadores? Nós, o resto do interior, estamos perplexos.
terça-feira, 28 de setembro de 2010
Estatística dos eleitores - Quem somos?
O Brasil e os Estados brasileiros estão em nossas mãos. É uma grande responsabilidade, pois corremos o risco de cometer equívocos. A conseqüência será grave se, por exemplo, elegermos pessoas que pretendem ocupar cargos majoritários ou proporcionais por interesses próprios ou de grupos políticos ou privados. Há também aqueles que se aventuram na política e saem candidatos. Eleitos, não sabem o que fazer no cargo que ocupam.
Somos no Brasil 135.804.433 eleitores. Desse total, 99,852% de nós estamos no País, ou seja, 135.604,041 eleitores. Apenas 200.392 de nós estamos no exterior, o que dá um percentual de 0,148%. Se houver candidato capacitado, temos muita força para colocá-lo no cargo que almeja.
No Paraná somos em 7.601.553 eleitores. Somos 5,597% de todos os eleitores brasileiros. Nós é que vamos escolher um dos sete candidatos a governador. Respaldados pela democracia, vamos colocá-lo no Palácio Iguaçu para um mandato de quatro anos. Embora polêmico, temos que considerar que a democracia nos dá a prerrogativa de rejeitar todos os sete, pois votar no menos ruim é inconsciência e descomprometimento com o nosso Estado.
Vamos conferir o nosso grau de instrução: 152.864 de nós, no Brasil, deixamos de declarar o que somos em termos de instrução, mas 8.007.315 de nós dissemos que somos analfabetos; 19.787.586 de nós sabemos apenas ler e escrever, enquanto 44.935.557 de nós temos o ensino fundamental incompleto.
Somos no Brasil 10.319.494 eleitores com o ensino fundamental completo e 25.732.349 de nós temos o ensino médio incompleto. Completamos o ensino médio em 17.918.370 eleitores, enquanto 3.752.948 de nós temos o ensino superior incompleto. Em compensação, 5.197.950 de nós temos o ensino superior completo.
No Paraná, 27.655 de nós não informamos o que somos em instrução. Mas 300.470 de nós declaramos que somos analfabetos, enquanto 841.768 de nós dissemos que sabemos ler e escrever. Estamos em 2.613.057 eleitores com o ensino fundamental incompleto e 652.890 eleitores com o ensino fundamental completo.
Quanto ao ensino médio, somos 1.605.582 com esse nível de instrução incompleto e 993.322 completo. No mais, 257.122 de nós temos o ensino superior incompleto, enquanto 309.687 de nós temos o ensino superior completo.
Estes números são do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), atualizado até 28 de setembro de 2010 . (http://www.tse.gov.br/internet/eleicoes/estatistica2010/). Na próxima postagem, vamos saber qual é a nossa idade. Em http://foradomercado.blogspot.com podemos conferir as estatísticas dos candidatos do Paraná.
quinta-feira, 23 de setembro de 2010
Crônica - Cabeça pequena
Aquilo era testa com letras maiúsculas. Brilhava, de tão grande, com realce nas curvas que o objeto tinha. Sim, objeto, porque era incomum. Tão acentuado que quando o fulano vinha as crianças saiam da frente.
Os sucos horizontais formados por duas rugas profundas lembravam trincheiras num solo arenoso, de terra clara. O suor nem descia. Ficava retido ali. De cima para baixo dava um palmo de mão, com os dedos exageradamente abertos a ponto de dar caimbrã. De um lado a outro, medida a circunferência no centro, uma mão e meia na sombra e quase duas mãos ao sol.
O dono era um bom cabeceador. Chegou a ser artilheiro do amador e do campeonato rural por dois anos seguidos. Equipes de agremiações mais ricas convidavam ele para disputas de torneios da elite, como os jogos de inverno, os torneios da primavera, os campeonatos citadinos.
No futebol de campo ficava lá atrás e não deixava uma bola alta passar. Veloz e habilidoso na condução da redonda, escorava com a esquerda todas as bolas baixas e avançava que nem um caminhão na banguela. Lá na frente, pouco antes da linha da zaga, empurrava a bola para o lateral direito e esperava a devolução, pelo alto.
A bicha vinha curvando e o artilheiro preparava a testa. As rugas ficavam mais fundas, formando uma quina parecida com a ponta de uma chuteira. As sobrancelhas quase ficavam na vertical. A ponta do nariz esticava para cima. A boca retorcia, salientando os beiços enormes e queimados do sol.
O goleador se mexia no meio da defesa e não havia combate que o segurasse. Se a bola vinha na quina esquerda do travessão, lá estava ele. Se descesse pela direita, a cabeçona esperava. Até lá longe, fora da risca da grande área, o goleador oferecia perigo. Porque se aquilo encostasse a testa na bola, pegando na quina entre as rugas, o goleiro não defendia. Era precisão e força. Depois do gol comemorado, não sobrava nem uma marquinha do gomo da redonda na pele da testa daquele craque.
No salão a violência era maior. A bola devolvida pela defesa adversária, no chutão, batia estalando na testa do goleador, que já recepcionava a redonda no jeito, de forma que ela ganhasse o rumo da trave lá do outro lado bem no canto onde o goleiro não tinha defesa. Só para sentir como era, num torneio de verão os organizadores tiveram que trocar as redes cinco vezes.
No trabalho, deram a ele uma vaga de carregador. Não havia saco de cimento que caísse daquela cabeça. Mas no amor, ai é que estava o problema. Gentil com a pretendida, o craque confundia cavalheirismo com submissão. Ajudava a moça nas compras no supermercado e fechava os ouvidos para as ironias dela. Nem ligava quando a donzela perguntava se havia levado o boné, pois pretendia comprar uma melancia. E olha que essa piada é muito velha e sem graça.
Num dia de chuva ela apareceu de carro no estacionamento do supermercado. Desceu, olhou ao redor e viu à esquerda o cabeceador, Da porta do motorista desceu um fulano, jovem e arrogante. Foi quando ela pediu o boné emprestado do craque, pois o carro do namorado era novo e precisava de um pano para protegê-lo da água.
Foi uma cabeçada só, no meio do párabrisa. Injustos, os colegas dele disseram que a fúria não foi por causa da ironia. Foi ciúme. E estavam certos. Vejam, que cabeça pequena ele tinha.
terça-feira, 21 de setembro de 2010
Crônica - Futebol ou regatas?
Boa Vida Futebol e Regatas. Era o nome do time amador daquela cidadezinha a seiscentos e poucos quilômetros do mar. Cortada por dois riachos e uns seis córregos de atravessar num pulo, sem molhar as barras das calças, a localidade era um secadão. Nem um lago ou prainha artificial à vista. Só lá em cima, no Morro do Desce Sentado, descia um fio de água de uma mina.
A inspiração do regatas veio, lógico, do Mengão. Clube de Regatas do Flamengo. É que o Nézinho do Bar da Esquina tinha paixão pelo rubro-negro e era o dono do jogo de camisas. Prevaleceu, assim, essa superioridade na eleição da escolha de um nome do time que era conhecido até então como Time do Nézinho.
Por falta de informação, para não falar que era ignorância, ninguém se tocou que regatas tem a ver com água e barco a vela. Que é uma competição que não acontece no seco. Então o Mengo, assim como o Vasco e o Botafogo, usavam o regatas em seus nomes de boca cheia, tamanho era o orgulho de ter equipes competindo na modalidade.
Mas o Boa Vida, tão longe dos oceanos, não tinha razão de ser.
Nem no Torneio da Primavera de Barco de Papel, realizado todos os anos no segundo domingo de setembro, o time tinha representantes. E olha que a competição, lá no Córrego do Quentão, era movimentada. Os pais levavam as crianças e ensinavam os filhos a montar os barquinhos com folhas de cadernos usados. Na corredeira aquilo se desmanchava e descia papel até a curva da fazenda vizinha, onde a sujeira ficava amontoada.
Sem problema algum. Na verdade, o time era chamado pelo povo só de Boa Vida, uma referência aos freqüentadores do bar onde a agremiação surgiu. O Futebol e Regatas ninguém usava.
Um dia o time foi convidado para um torneio intermunicipal, o primeiro depois de quatro anos de fundação. Foi ali, na assinatura da ficha de inscrição, que um engraçadinho se meteu. Ele era dono de uma das mais fortes equipes da região. Advogado, o homem humilhava os semelhantes com ironias, só porque morava em cidade maior e tinha uma profissão importante.
- Então é regatas é?
- Sim senhor. Boa Vida Futebol e Regatas.
- E quantos barcos vocês têm? Ou como dizem por aqui, oceis têm?
- Que barco doutor? Barco não tem nem rio para deslizar.
- Então eu não entendi o regatas. Regatas é disputa na água, de barco, sabe, barco a vela.
- Uai? E porque o Flamengo tem regatas no nome?
- Ah, o Mengão. O Mengo tem regatas, tem água de um lado a outro. Lá sim. Mas aqui...
- Ih... mas não pode participar assim?
- Claro que pode, ô. Só estou corrigindo o nome. Porque é de dar risada.
O assunto virou polêmica na localidade. Farias, do açougue, queria trocar o nome o quanto antes. Adamastor até discutiu com o Nézinho, que sugeriu o nome. Na escola a professora pediu para os alunos pesquisaram na biblioteca alguma coisa sobre regatas.
A solução veio da dona Maria Ouvideira. Ela havia passado uns pares de dias na casa da filha, lá perto da capital, e passou pelas Lojas Americanas durante um passeio. Lá comprou umas quatro camisetas regatas para presentear o velho. Esperta, saiu-se com essa:
- Se alguém perguntar porque o time tem regatas no nome, digam que é por causa das camisetas, uai.
E ficou sendo.
segunda-feira, 20 de setembro de 2010
quinta-feira, 16 de setembro de 2010
Crônica - Vixe!
Pediram a ela para dizer a primeira palavra que surgisse na cabeça. Ela reagiu com uma frase incompleta, no atropelo de mais de meia dúzia de palavras. Foi impedida de continuar. Mas aproveitou a primeira brecha para repetir tudo, acrescentando outras cinco ou seis palavras, sem conseguir fechar a mensagem.
Então esclareceram: “Diga a primeira palavra que surgir na cabeça. A primeira, portanto, única”. Ela então disse: “Vixe!”
Saiu um vixe bem acentuado, com o devido uso do ponto de exclamação. Não foi nem preciso sair das regras da língua portuguesa, pontuando uma interrogação depois da exclamação. Ou uma exclamação, uma interrogação e mais uma exclamação. Foi apenas um vixe! bem dito.
Foi quando surgiu a pergunta: vixe ou viche? Ela decidiu que o vixe dela era com X. Retrucaram que já haviam visto viche com CH. A solução foi recorrer ao Google, pai dos internautas analfabetos e conselheiro de quem precisa encontrar alguém falando de qualque coisa.
Deu ali um tal de dicionário informal, com duas interferências de pessoas que podiam dar uma luz. Saiu que vixe é uma interjeição muito usada principalmente no Ceará. Que significa espanto, surpresa, admiração e por que não, indignação. Vixe! Ou Vixe? Talvez Vixe!? E, no tom mais inexplicável, Vixe!?!
O dicionário informou também que o vixe pode ser trocado por eita. No experimento de improviso, saiu assim: Eita eu heim? Fraquíssimo, mas válido e oportuno. Não havia necessidade de complicar.
Outra postagem explicou que vixe vem de virgem. Por isso pode ser seguida da palavra Maria. Vejam: Vixe Maria. Na troca de palavra, fica assim: Eita Maria.
Foi o suficiente. Nada mais havia a se esclarecer. Mais do que a meia dúzia de palavras iniciais e as outras cinco ou seis complementares, o vixe da colaboradora rendeu vinte e seis linhas.
Vixe, que belezura para escrever! E escrever certo, com X. Vixe!
quarta-feira, 15 de setembro de 2010
Crônica - Quem tem medo desvia os olhos
Aquele candidato não mostra a cara e deve ser para evitar que as pessoas vejam a sua personalidade e o seu caráter. Ele faz campanha como se fosse um andróide: sai dando a mão para todo mundo, mas olha para os lados. Num percurso de cem metros é capaz de ele pegar a mão de cinqüenta eleitores. Aposta-se, no entanto, que ele não enxergou cinco pares de olhos.
Disseram entre os chegados que este é o jeitão dele. Luiz Airão, que não é o cantor mas teve o nome do artista emprestado por culpa de uma preferência musical do pai, não acredita muito nessa história do jeitão. Ah, ele tem lá suas suspeitas, fruto de muita vivência.
Airão nunca foi político e tampouco trabalhou como cabo eleitoral, daqueles que conseguem, pelo menos a algumas semanas das eleições, certa intimidade com candidatos. Mas Airão é eleitor e nisso ele é especializado. No político, diz que os olhos só podem ser vistos nas fotografias dos jornais, nos vídeos dos programas noticiosos da televisão e no material de propaganda eleitoral.
Pois Airão já chegou a ver os pares de olhos de um bocado de políticos ao vivo. De longe, é claro. Airão é do tipo que desvia o caminho quando alguns deles aparecem. Então esse eleitor, que para ganhar dinheiro e sustentar família vende CD e DVD piratas, ajunta tudo o que absorve durante as suas andanças profissionais à experiência que tem como cidadão. Por isso ele é um especialista em conhecer as pessoas de acordo com as reações delas diante dos cidadãos.
Ele tem como exemplo a secretária de um consultório médico que atende os pacientes sem ao menos olhar nos olhos de quem está a frente. Num atendimento pelo SUS, o médico entregou a receita a ele sem ao menos olhar quem estava na sala de consulta. Numa agência bancária, a recepcionista o encaminhou para o setor de cheque sem fundo olhando para a colega de trabalho, que contava as façanhas da noitada anterior.
Disso Airão conclui que o ser humano, quando desinteressado no próximo, desvio os olhos para evitar algum tipo de comprometimento. Foi por isso que Airão passou certo dia bem ao lado daquele político que aperta as mãos dos outros olhando para os lados e fez de conta que nem o viu. E o cara ficou com as mãos estendidas, achando que ia conquistar mais um voto.
Disseram entre os chegados que este é o jeitão dele. Luiz Airão, que não é o cantor mas teve o nome do artista emprestado por culpa de uma preferência musical do pai, não acredita muito nessa história do jeitão. Ah, ele tem lá suas suspeitas, fruto de muita vivência.
Airão nunca foi político e tampouco trabalhou como cabo eleitoral, daqueles que conseguem, pelo menos a algumas semanas das eleições, certa intimidade com candidatos. Mas Airão é eleitor e nisso ele é especializado. No político, diz que os olhos só podem ser vistos nas fotografias dos jornais, nos vídeos dos programas noticiosos da televisão e no material de propaganda eleitoral.
Pois Airão já chegou a ver os pares de olhos de um bocado de políticos ao vivo. De longe, é claro. Airão é do tipo que desvia o caminho quando alguns deles aparecem. Então esse eleitor, que para ganhar dinheiro e sustentar família vende CD e DVD piratas, ajunta tudo o que absorve durante as suas andanças profissionais à experiência que tem como cidadão. Por isso ele é um especialista em conhecer as pessoas de acordo com as reações delas diante dos cidadãos.
Ele tem como exemplo a secretária de um consultório médico que atende os pacientes sem ao menos olhar nos olhos de quem está a frente. Num atendimento pelo SUS, o médico entregou a receita a ele sem ao menos olhar quem estava na sala de consulta. Numa agência bancária, a recepcionista o encaminhou para o setor de cheque sem fundo olhando para a colega de trabalho, que contava as façanhas da noitada anterior.
Disso Airão conclui que o ser humano, quando desinteressado no próximo, desvio os olhos para evitar algum tipo de comprometimento. Foi por isso que Airão passou certo dia bem ao lado daquele político que aperta as mãos dos outros olhando para os lados e fez de conta que nem o viu. E o cara ficou com as mãos estendidas, achando que ia conquistar mais um voto.
sexta-feira, 10 de setembro de 2010
quinta-feira, 9 de setembro de 2010
Opinião - Levar vantagem ainda é regra
Um homem briga no caixa de um supermercado. Esbraveja, maltrata, xinga os funcionários e o gerente. Constrange a mulher e o filho. Acaba com a paciência das pessoas que estão na fila. Ele quer levar quatro unidades de cerveja da promoção, cada uma com seis latinhas da geladinha que para alguns esquenta e endoidece. O cartaz e o sistema de som anunciam que, de acordo com o Procon, cada cliente só pode levar uma unidade.
A briga é por cerveja. Não se sabe se o homem brigaria por arroz, feijão, macarrão ou leite. Leite, isso mesmo. Passados alguns dias, em outro supermercado outro homem decide protagonizar uma cena vergonhosa para ele e a família. Em seu carrinho duas caixas de leite longa vida também da promoção, contrariando o cartaz que anuncia uma caixa por cliente. Na frente dele a mulher, com outro carrinho, leva mais duas caixas de leite. Atrás, a mãe dele,com quatro caixas.
O homem abre uma cerveja e seca a latinha ali mesmo na fila. Disfarçadamente esconde a embalagem vazia entre os produtos expostos no corredor. Na boca do caixa, grita com as funcionárias: se não puder passar as caixas extras de leite, deixa tudo no carrinho e vai embora. Claro, sem pagar a cerveja que já bebeu diante da mulher, da mãe e dos filhos.
Até esse ponto o cidadão já cometeu pelo menos duas infrações: bebeu a cerveja de graça e bebeu cerveja minutos antes de levar as suas compras até o carro e sair dirigindo em plena hora de almoço de um sábado, quando o trânsito é caótico, com boa dose de geladinha fervendo a cabeça.
Quanto ao limite imposto para os produtos em promoção, a lei tem um objetivo: que a vantagem legalmente oferecida chegue ao maior número de consumidores possível. O homem que brigou para passar pelo caixa com oito caixas de leite poderia ser um comerciante. Em seu estabelecimento, poderia vender o leite comprado na promoção pelo dobro do preço que pagou.
Isso, no mínimo, caracteriza o extremo mais repugnante da Lei do Gerson: "Gosto de levar vantagem em tudo". Custe o que custar. Infelizmente, as duas cenas descritas não são raras. Acontece todos os dias, com alguém usando de prestígio para ser atendido na frente dentro de uma agência bancária e até mesmo no saguão de espera de uma unidade de saúde. Influência, amizade, oportunista e sem-vergonhice. De quem pratica e de quem permite que a prática se concretiza. É uma via de duas mãos.
Quantos neste Brasil afora denominam-se voluntários de candidatos a cargos públicos para depois cobrar um emprego? Assim deixam na rasteira as pessoas aprovadas em concursos públicos, porque surrupiam vagas e oportunidades que eram de outros. Sim, uma via de duas mãos: falta de respeito de quem pede a vaga em troca de favores políticos e de quem dá a vaga para pagar favores políticos.
Quantos que já estão nas repartições públicas passam por cima dos estatutos para agilizar uma transferência ou uma promoção? Outra vez via de duas mãos, pois fazem isso porque existem políticos que transformam essa prática vergonhosa em uma normalidade.
Então, neste início de outubro, um grande número de brasileiros dirá que pratica a democracia sem ter consciência de como ela deveria ser praticada. Uns votando, outros recebendo votos. Infelizmente. A barganha vem logo em seguida. E a cidadania que se dane.
Que pena! O cidadão, aqui, sofre muito!
A briga é por cerveja. Não se sabe se o homem brigaria por arroz, feijão, macarrão ou leite. Leite, isso mesmo. Passados alguns dias, em outro supermercado outro homem decide protagonizar uma cena vergonhosa para ele e a família. Em seu carrinho duas caixas de leite longa vida também da promoção, contrariando o cartaz que anuncia uma caixa por cliente. Na frente dele a mulher, com outro carrinho, leva mais duas caixas de leite. Atrás, a mãe dele,com quatro caixas.
O homem abre uma cerveja e seca a latinha ali mesmo na fila. Disfarçadamente esconde a embalagem vazia entre os produtos expostos no corredor. Na boca do caixa, grita com as funcionárias: se não puder passar as caixas extras de leite, deixa tudo no carrinho e vai embora. Claro, sem pagar a cerveja que já bebeu diante da mulher, da mãe e dos filhos.
Até esse ponto o cidadão já cometeu pelo menos duas infrações: bebeu a cerveja de graça e bebeu cerveja minutos antes de levar as suas compras até o carro e sair dirigindo em plena hora de almoço de um sábado, quando o trânsito é caótico, com boa dose de geladinha fervendo a cabeça.
Quanto ao limite imposto para os produtos em promoção, a lei tem um objetivo: que a vantagem legalmente oferecida chegue ao maior número de consumidores possível. O homem que brigou para passar pelo caixa com oito caixas de leite poderia ser um comerciante. Em seu estabelecimento, poderia vender o leite comprado na promoção pelo dobro do preço que pagou.
Isso, no mínimo, caracteriza o extremo mais repugnante da Lei do Gerson: "Gosto de levar vantagem em tudo". Custe o que custar. Infelizmente, as duas cenas descritas não são raras. Acontece todos os dias, com alguém usando de prestígio para ser atendido na frente dentro de uma agência bancária e até mesmo no saguão de espera de uma unidade de saúde. Influência, amizade, oportunista e sem-vergonhice. De quem pratica e de quem permite que a prática se concretiza. É uma via de duas mãos.
Quantos neste Brasil afora denominam-se voluntários de candidatos a cargos públicos para depois cobrar um emprego? Assim deixam na rasteira as pessoas aprovadas em concursos públicos, porque surrupiam vagas e oportunidades que eram de outros. Sim, uma via de duas mãos: falta de respeito de quem pede a vaga em troca de favores políticos e de quem dá a vaga para pagar favores políticos.
Quantos que já estão nas repartições públicas passam por cima dos estatutos para agilizar uma transferência ou uma promoção? Outra vez via de duas mãos, pois fazem isso porque existem políticos que transformam essa prática vergonhosa em uma normalidade.
Então, neste início de outubro, um grande número de brasileiros dirá que pratica a democracia sem ter consciência de como ela deveria ser praticada. Uns votando, outros recebendo votos. Infelizmente. A barganha vem logo em seguida. E a cidadania que se dane.
Que pena! O cidadão, aqui, sofre muito!
quarta-feira, 8 de setembro de 2010
Homenagem fotográfica - Parabéns!
Aqui uma simples homenagem aos alunos, pais, funcionários, professores e técnicos da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) de Londrina - Escola Santa Rita, pela participação no desfile de 7 de Setembro na Avenida Leste-Oeste. Muito mais do que civismo, uma demonstração de cidadania e comprometimento com uma causa. Chega de texto, vamos a algumas fotos:
terça-feira, 31 de agosto de 2010
Retrato - É tudo meu...
O autor disso ai que se vê na foto tem uma baita casa num quintal gigante. Invejável? Que nada. Dá muita dó e não é do patrimônio que ele tem. É da falta de coletividade e consciência. O quintal pega da rua Astorga, onde tem um portão principal e vai até a rua Professor Samuel Moura, na Vila Judith, Zona Oeste de Londrina. O quintal é gramado e não faz muito tempo o sujeito comprou uma máquina barulhenta de aparar grama. Nos domingos ele decide democratizar o barulho. Os vizinhos são obrigados a aumentar o volume do som. Nesta semana ele foi ao extremo. Aparou a grama e ensacou tudo em sacos plásticos. Ajuntou oito sacos que foram colocados na calçada dos fundos, junto com um bom punhado de gravetos. Porque na calçada da frente da casa dele é proibido. Pelo local emporcalhado pelom sujeito passa muita gente. O dono da casa com certeza não usa aquela calçada. Os sacos com gramas já secas e os gravetos estão sob a rede elétrica. É um barril de pólvora. Basta uma faísca. O dono da casa acha que é obrigação do caminhão coletor de lixo levar a grama e os gravetos. Nem isso ele sabe. O caminhão só leva lixo doméstico. Ele é culpado? Na atual circunstância não. Pois o poder público que deveria multar um cidadão com essa cabeça fecha os olhos. Aliás, cometo equívocos: como alguém assim pode ser chamado de cidadão? Quando é que o poder público tem olhos? Basta lembrar que na noite de domingo faltou luz na Zona Oeste porque algum porco provocou queimada embaixo da rede elétrica no Jardim Bandeirantes. Esse que coloca todos os vizinhos em risco deve ter um gerador no seu grande quintal.
domingo, 29 de agosto de 2010
Recado - Para breve
Crônica – E agora José?
Para onde, José? O gás acabou. Desgastou-se a imagem. Se pudesse retornar ao passado José pintaria o rosto de verde e amarelo para pedir o impeachment de um presidente da República?
Aguardem e saibam...
Para onde, José? O gás acabou. Desgastou-se a imagem. Se pudesse retornar ao passado José pintaria o rosto de verde e amarelo para pedir o impeachment de um presidente da República?
Aguardem e saibam...
Crônica - Rasteiras...
Como no poema de Hans Magnus Enzensberger musicado por Arnaldo Antunes e Aldo Fortes, aquilo acontece em diferentes cotidianos, variadas rotinas e dia após dia: Meu inimigo / Debruçado sobre o balcão / Na cama em cima do armário / No chão / por toda parte / Agachado / Olhos fixos em mim / Meu irmão...
Este é o refrão de Hotel Fraternité. Forte e direto para quem quer entender. Fraco e confuso para os que preferem ficar à margem de alguma reflexão.
Acontece num ambiente de trabalho, numa reunião sindical, no salão amplo de um restaurante, na assembléia condominial, no balcão de um bar, no ônibus, no banco, na sacada do prédio e na vida, enfim.
Ninguém fica imune aos seus efeitos, como observador ou observado. É infelizmente uma craca impregnada na alma do ser humano, encapando em algumas circunstâncias os sentimentos de solidariedade e compreensão, para que estes não aflorem.
Assim dotados os inimigos espreitam sempre. Tornam-se irmãos para se adequarem às conveniências. Dão tapinhas nas costas alheias, mas com a intenção de socarem rostos.
Hanz Magnus Enzensberger ainda é mais puro que a realidade. O poeta se inspira numa espécie de desprovidos, aqueles que tem motivos de sobra para ficarem na espreita.
Aquele que não tem com o que comprar uma ilha / Aquele que espera a rainha de sabá na frente de um cinema / Aquele que rasga de raiva e desespero sua última camisa / Aquele que esconde um dobrão de ouro no sapato furado / Aquele que olha nos olhos duros do chantagista / Aquele que range os dentes nos carrocéis / Aquele que derrama vinho rubro na cama sórdida / Aquele que toca fogo em cartas e fotografias / Aquele que vive sentado nas docas debaixo das gaivotas / Aquele que alimenta os esquilos / Aquele que não tem um centavo / Aquele que observa / Aquele que dá socos na parede / Aquele que grita / Aquele que bebe / Aquele que não faz nada...
Aqueles, do poema, são mais vítimas que agressores, mesmo que em alguns repentes sejam tomados pela fúria. Por isso, sintam-se à vontade para apontar os dedos em ristes na tela do monitor de TV quando os que não são aqueles falarem em nome de todos, no horário eleitoral gratuito.
Este é o refrão de Hotel Fraternité. Forte e direto para quem quer entender. Fraco e confuso para os que preferem ficar à margem de alguma reflexão.
Acontece num ambiente de trabalho, numa reunião sindical, no salão amplo de um restaurante, na assembléia condominial, no balcão de um bar, no ônibus, no banco, na sacada do prédio e na vida, enfim.
Ninguém fica imune aos seus efeitos, como observador ou observado. É infelizmente uma craca impregnada na alma do ser humano, encapando em algumas circunstâncias os sentimentos de solidariedade e compreensão, para que estes não aflorem.
Assim dotados os inimigos espreitam sempre. Tornam-se irmãos para se adequarem às conveniências. Dão tapinhas nas costas alheias, mas com a intenção de socarem rostos.
Hanz Magnus Enzensberger ainda é mais puro que a realidade. O poeta se inspira numa espécie de desprovidos, aqueles que tem motivos de sobra para ficarem na espreita.
Aquele que não tem com o que comprar uma ilha / Aquele que espera a rainha de sabá na frente de um cinema / Aquele que rasga de raiva e desespero sua última camisa / Aquele que esconde um dobrão de ouro no sapato furado / Aquele que olha nos olhos duros do chantagista / Aquele que range os dentes nos carrocéis / Aquele que derrama vinho rubro na cama sórdida / Aquele que toca fogo em cartas e fotografias / Aquele que vive sentado nas docas debaixo das gaivotas / Aquele que alimenta os esquilos / Aquele que não tem um centavo / Aquele que observa / Aquele que dá socos na parede / Aquele que grita / Aquele que bebe / Aquele que não faz nada...
Aqueles, do poema, são mais vítimas que agressores, mesmo que em alguns repentes sejam tomados pela fúria. Por isso, sintam-se à vontade para apontar os dedos em ristes na tela do monitor de TV quando os que não são aqueles falarem em nome de todos, no horário eleitoral gratuito.
quinta-feira, 26 de agosto de 2010
Crônica - E agora José?
Abertura
José era o riquinho do bairro. Enquanto a maioria dos coleguinhas ia a escola a pé, José era levado pelo pai, de automóvel. Sim, automóvel. Não era uma condução qualquer, tipo fusca ou chevetinho. Automóvel quatro portas de um metálico brilhante e assanhado. Na época quatro portas era sinônimo de requinte. Em carro de pobre quatro portas era táxi descartado da frota e colocado à venda a preço baixo. A classe média preferia um estilo mais esportivo e comprava duas portas. Diziam os negociadores que o esportivo era mais fácil de passar para frente.
Então José desembarcava bem frente do portão da escola. Saia pela porta de trás e ninguém via a cara do motorista, que tinha a imagem protegida pelo fumê dos vidros. Seria o motorista o próprio pai de José? Ou seria o motorista um chofer contratado para transportar José, seus irmãos, seu pai e sua mãe? Era um mistério que suscitava comentários de outros pais de josés que iam à escola de carona em fuscas, opalas, chevetes e corcéis quadrados de parachoques niquelados.
Havia sim um requinte em torno daquele aluno. Os professores tinham mais cuidado com ele. A direção tratava-o com uma consideração incomum. E os coleguinhas, oras, estes só se mantinham perto do menino porque dependiam da cola que ele passava nas provas. José era muito inteligente e também ajudava os outros nos trabalhos que tinham que ser entregues em papel almaço, parágrafos de três dedos, cabeçalho com nome da escola, data e nome do aluno.
No ginásio, José sofria nas aulas de educação física. Para não ter o que fazer, os professores formavam times de futebol de salão e os melhores escalavam os seus jogadores. José ficava sempre por último.
Ninguém queria ele e, fatalmente, sobrava uma vaga no gol da equipe mais fraca. Na hora do jogo era uma tortura: bola que vinha da esquerda com velocidade assustadora batia no fundo da rede e fazia o time marcador comemorar. Os perdedores olhavam para José com cara de reprovação. Bola que vinha da direita tinha o mesmo destino: gol. Bola que vinha da frente passava pelo meio das pernas do menino. A reprovação virava gozação.
A estas alturas José já estava esperto. Usava a inteligência para ganhar prestígio. No colegial virou presidente do grêmio estudantil. Financiava lanches para os colegas. Convidava os mais chegados para fazer trabalhos em sua casa, quando os serviçais preparavam sucos, sanduíches e bolachinhas que não se comia e bebia em qualquer lugar. Mais do que fazer os exercícios escolares, os coleguinhas saiam de lá empanturrados.
Então é que José virou uma espécie de líder. O resto da história só na próxima postagem, pois o autor está se revirando na cadeira para decidir se, a partir daqui, mostra um José vitorioso ou derrotado.
José era o riquinho do bairro. Enquanto a maioria dos coleguinhas ia a escola a pé, José era levado pelo pai, de automóvel. Sim, automóvel. Não era uma condução qualquer, tipo fusca ou chevetinho. Automóvel quatro portas de um metálico brilhante e assanhado. Na época quatro portas era sinônimo de requinte. Em carro de pobre quatro portas era táxi descartado da frota e colocado à venda a preço baixo. A classe média preferia um estilo mais esportivo e comprava duas portas. Diziam os negociadores que o esportivo era mais fácil de passar para frente.
Então José desembarcava bem frente do portão da escola. Saia pela porta de trás e ninguém via a cara do motorista, que tinha a imagem protegida pelo fumê dos vidros. Seria o motorista o próprio pai de José? Ou seria o motorista um chofer contratado para transportar José, seus irmãos, seu pai e sua mãe? Era um mistério que suscitava comentários de outros pais de josés que iam à escola de carona em fuscas, opalas, chevetes e corcéis quadrados de parachoques niquelados.
Havia sim um requinte em torno daquele aluno. Os professores tinham mais cuidado com ele. A direção tratava-o com uma consideração incomum. E os coleguinhas, oras, estes só se mantinham perto do menino porque dependiam da cola que ele passava nas provas. José era muito inteligente e também ajudava os outros nos trabalhos que tinham que ser entregues em papel almaço, parágrafos de três dedos, cabeçalho com nome da escola, data e nome do aluno.
No ginásio, José sofria nas aulas de educação física. Para não ter o que fazer, os professores formavam times de futebol de salão e os melhores escalavam os seus jogadores. José ficava sempre por último.
Ninguém queria ele e, fatalmente, sobrava uma vaga no gol da equipe mais fraca. Na hora do jogo era uma tortura: bola que vinha da esquerda com velocidade assustadora batia no fundo da rede e fazia o time marcador comemorar. Os perdedores olhavam para José com cara de reprovação. Bola que vinha da direita tinha o mesmo destino: gol. Bola que vinha da frente passava pelo meio das pernas do menino. A reprovação virava gozação.
A estas alturas José já estava esperto. Usava a inteligência para ganhar prestígio. No colegial virou presidente do grêmio estudantil. Financiava lanches para os colegas. Convidava os mais chegados para fazer trabalhos em sua casa, quando os serviçais preparavam sucos, sanduíches e bolachinhas que não se comia e bebia em qualquer lugar. Mais do que fazer os exercícios escolares, os coleguinhas saiam de lá empanturrados.
Então é que José virou uma espécie de líder. O resto da história só na próxima postagem, pois o autor está se revirando na cadeira para decidir se, a partir daqui, mostra um José vitorioso ou derrotado.
quarta-feira, 25 de agosto de 2010
Crônica - Alguns metros adiante
Queria sol e claridade sempre, mesmo nas noites mais escuras de lua minguante. A chuva, nos momentos certos, seria apenas um refresco. Em quantidade suficiente para acomodar a poeira no solo, ela escorreria pelos telhados e levaria embora as sujeiras acumuladas nos cantos dos quintais, onde houvesse uma caída e se formasse uma leve corredeira.
Lavaria-se também a alma, atormentada por calores emitidos por diferentes fontes. Às vezes de questionamentos corriqueiros, inquietações freqüentes, comportamentos nem sempre tolerantes. Outras por explosões a que os corações estão sujeitos no decorrer de um dia que segue de eventos não agendados. Uma surpresa boa ou ruim, por exemplo. Uma ótima notícia. Ou o contrário.
Em certo instante a chuva cairia reta, sem balançar com o vento. Uma leve rajada serviria para uma gota bater de frente no vidro da janela. A água escorreria preguiçosa até esgotar-se, deixando um rastro parecido com um caminho desenhado na transparência.
Algo que fizesse lembrar um homem idoso indo adiante, sob o sol e sujeito ao calor. Da testa enrugada por sucos marcantes cortados na horizontal, desce o suor que ganha a beirada do nariz, depois de umedecer o canto dos olhos, feito lágrimas. Alguns dos rastros vão ao chão e se perdem no cimento seco da calçada. Secam assim que se estatelam no chão, tamanha é a quentura de um dia.
Outras invadem os lábios e ganham a boca, descendo salgadas e inconvenientes. Às vezes andar é um execício. Outras vezes uma necessidade. Há quando se torne um tormento e queira-se nunca chegar para onde se deve ir. Às vezes a pressa de estar lá é grande e os passos não rendem. O objetivo, em vez de ficar mais perto, vai se distanciando.
O dia, porém, é claro tanto quanto a cor da camisa de algodão rota nas mangas. Mesmo sob nuvens. A noite virá, o homem idoso sabe. Ele, que já enfrentou tantas escuridões, está preparado para as que ainda virão e tem certeza que escalará a subida de metros adiante, empapando o lenço que enxuga o suor e indo passo a passo, lento na velocidade, rápido na pretensão de se locomover, sábio e imune aos desejos daqueles que desprezam o conhecimento dos que, pela vida, vão e vem.
O resto é silêncio. Exceto o barulho incômodo de um aparelho de rádio, cujo som vaza de uma casa onde os ocupantes, quando muito ouvem, mas não escutam. Naquele momento um candidato a alguma coisa promete algo e pede voto. Outro o sucede e faz o mesmo. E assim uma fileira, com os mesmo dizeres, as mesmas promessas e o mesmo pedido: voto.
E o homem idoso passa, sem dar ouvidos. Os anos acumulados nas costas arcadas ensinaram ele a perceber quem mente e quem diz a verdade. Por isso ele sempre busca, incansável, o sol e a luz, mesmo nas noites de lua minguante.
Lavaria-se também a alma, atormentada por calores emitidos por diferentes fontes. Às vezes de questionamentos corriqueiros, inquietações freqüentes, comportamentos nem sempre tolerantes. Outras por explosões a que os corações estão sujeitos no decorrer de um dia que segue de eventos não agendados. Uma surpresa boa ou ruim, por exemplo. Uma ótima notícia. Ou o contrário.
Em certo instante a chuva cairia reta, sem balançar com o vento. Uma leve rajada serviria para uma gota bater de frente no vidro da janela. A água escorreria preguiçosa até esgotar-se, deixando um rastro parecido com um caminho desenhado na transparência.
Algo que fizesse lembrar um homem idoso indo adiante, sob o sol e sujeito ao calor. Da testa enrugada por sucos marcantes cortados na horizontal, desce o suor que ganha a beirada do nariz, depois de umedecer o canto dos olhos, feito lágrimas. Alguns dos rastros vão ao chão e se perdem no cimento seco da calçada. Secam assim que se estatelam no chão, tamanha é a quentura de um dia.
Outras invadem os lábios e ganham a boca, descendo salgadas e inconvenientes. Às vezes andar é um execício. Outras vezes uma necessidade. Há quando se torne um tormento e queira-se nunca chegar para onde se deve ir. Às vezes a pressa de estar lá é grande e os passos não rendem. O objetivo, em vez de ficar mais perto, vai se distanciando.
O dia, porém, é claro tanto quanto a cor da camisa de algodão rota nas mangas. Mesmo sob nuvens. A noite virá, o homem idoso sabe. Ele, que já enfrentou tantas escuridões, está preparado para as que ainda virão e tem certeza que escalará a subida de metros adiante, empapando o lenço que enxuga o suor e indo passo a passo, lento na velocidade, rápido na pretensão de se locomover, sábio e imune aos desejos daqueles que desprezam o conhecimento dos que, pela vida, vão e vem.
O resto é silêncio. Exceto o barulho incômodo de um aparelho de rádio, cujo som vaza de uma casa onde os ocupantes, quando muito ouvem, mas não escutam. Naquele momento um candidato a alguma coisa promete algo e pede voto. Outro o sucede e faz o mesmo. E assim uma fileira, com os mesmo dizeres, as mesmas promessas e o mesmo pedido: voto.
E o homem idoso passa, sem dar ouvidos. Os anos acumulados nas costas arcadas ensinaram ele a perceber quem mente e quem diz a verdade. Por isso ele sempre busca, incansável, o sol e a luz, mesmo nas noites de lua minguante.
sexta-feira, 20 de agosto de 2010
Crônica - Os sapatos verdes
Parecia esportivo na vitrina. Camurçado, dava impressão de leveza e conforto. Sem cadarços, lembrava agilidade ao calçar. E por que não, liberdade. Amarras, afinal de contas, é sinônimo de prisão.
O solado, de plataforma de borracha, deu idéia de maciez. Era pisar e flutuar. E o preço? Muito abaixo dos demais modelos expostos na vitrina sob os efeitos do fluorescente que ilumina a loja e dos raios de sol que em alguns períodos do dia invadiam o lugar.
Bastaram dez minutos de espera para a atendente aparecer e se colocar à disposição. O homem pediu para experimentar. Ajeitou-se numa banqueta, descalçou os tênis e ajeitou as meias, de forma que os furados ficassem nas solas dos pés e ninguém reparasse no estado precário em que se encontravam.
Foram mais dez minutos de espera até a moça retornar com a caixa contendo um pé. O outro teria que ser retirado da vitrina, pois era o último para do modelo e da numeração adequada. Quando os dois pés foram colocados juntos, nem se reparou à luz ambiente alguma diferença na tonalidade.
Na prova, satisfação total. Os sapatos de camurça caíram como luvas. Se amoldaram nos pés do homem sem folga e sem aperto. Nem pegou nas pontas, onde as unhas encravadas costumavam incomodar. Na articulação obedeceu suprema, sem rangido e muito menos pegar aqui ou ali. Tampouco saiu do calcanhar, pois acompanhou os momentos dos pés como fiel protetor.
O negócio foi fechado. No embrulho o homem até dispensou a caixa, que já tinha um rasgo na tampa e um amassado numa das laterais. Os sapatos foram para a casa do comprador em saco plástico do estabelecimento. Assim não fez tanto volume na mochila e evitou desconforto no ônibus.
A estréia foi marcada para sábado. O plano incluía um par de meias seminovo, lavado somente duas vezes após a compra, a calça jeans que ainda mantinha um azul mais forte, a camiseta branca e nada mais.
Fez sol no sábado, que sorte. Os sapatos ganharam a porta da sala e depois o portão. Na calçada, à primeira batida do sol, denunciaram diferenças. Um pé, aquele mantido na caixa, era verde musgo. O outro que ficou na vitrina pareceu uma mescla entre o amarelado encardido, o marrom e um verde cansado em alguns pontos.
Quarteirões adiante, bem na boca do estacionamento do supermercado, um engraxate cobrou dez reais para passar uma tinta marrom nos calçados. E o novo ficou reformado.
O solado, de plataforma de borracha, deu idéia de maciez. Era pisar e flutuar. E o preço? Muito abaixo dos demais modelos expostos na vitrina sob os efeitos do fluorescente que ilumina a loja e dos raios de sol que em alguns períodos do dia invadiam o lugar.
Bastaram dez minutos de espera para a atendente aparecer e se colocar à disposição. O homem pediu para experimentar. Ajeitou-se numa banqueta, descalçou os tênis e ajeitou as meias, de forma que os furados ficassem nas solas dos pés e ninguém reparasse no estado precário em que se encontravam.
Foram mais dez minutos de espera até a moça retornar com a caixa contendo um pé. O outro teria que ser retirado da vitrina, pois era o último para do modelo e da numeração adequada. Quando os dois pés foram colocados juntos, nem se reparou à luz ambiente alguma diferença na tonalidade.
Na prova, satisfação total. Os sapatos de camurça caíram como luvas. Se amoldaram nos pés do homem sem folga e sem aperto. Nem pegou nas pontas, onde as unhas encravadas costumavam incomodar. Na articulação obedeceu suprema, sem rangido e muito menos pegar aqui ou ali. Tampouco saiu do calcanhar, pois acompanhou os momentos dos pés como fiel protetor.
O negócio foi fechado. No embrulho o homem até dispensou a caixa, que já tinha um rasgo na tampa e um amassado numa das laterais. Os sapatos foram para a casa do comprador em saco plástico do estabelecimento. Assim não fez tanto volume na mochila e evitou desconforto no ônibus.
A estréia foi marcada para sábado. O plano incluía um par de meias seminovo, lavado somente duas vezes após a compra, a calça jeans que ainda mantinha um azul mais forte, a camiseta branca e nada mais.
Fez sol no sábado, que sorte. Os sapatos ganharam a porta da sala e depois o portão. Na calçada, à primeira batida do sol, denunciaram diferenças. Um pé, aquele mantido na caixa, era verde musgo. O outro que ficou na vitrina pareceu uma mescla entre o amarelado encardido, o marrom e um verde cansado em alguns pontos.
Quarteirões adiante, bem na boca do estacionamento do supermercado, um engraxate cobrou dez reais para passar uma tinta marrom nos calçados. E o novo ficou reformado.
segunda-feira, 16 de agosto de 2010
Crônica - Briga de balcão
- Desliga ai, ô. Quem é que quer ouvir esses caras falando bobagem?
- Posso abaixar um pouco. Desligar não desligo. Tem gente que gosta disso que está passando.
- Quem? Tem algum mané aqui que gosta disso?
- Pára com isso. Eu tenho freguês antigo almoçando.
- Viu só? Ninguém me respondeu. Quer que eu pergunte de novo?
- Não faça isso. Vai assustar a minha freguesia...
- Tem alguém que almoça assistindo programa eleitoral gratuito? Ei gente, eu só estou fazendo uma pergunta...
- Não incomode as pessoas, amigo. Fica muito mal para mim.
- Ei, ei, ei... Está me estranhando? Eu também sou freguês aqui há bom tempo e quero comer sem ter que escutar bobagem desses políticos. Tenho ou não tenho esse direito, pessoal?
- Você está é assustando a minha freguesia. Ninguém responde a sua pergunta. Estão achando que você bebeu...
- Eu bêbado? Ai partiu pra ofensa. Dá tirando uma? Eu só quero comer com apetite esta comida que estou pagando. Esses candidatos me tiram o apetite.
- Você tem razão, meu amigo. Mas não precisa assustador o resto da minha clientela. Olha ai, está todo mundo quieto. Ninguém olha pra você quando faz as perguntas. Não está certo...
- Eu estou errado? Olha ai este que está na TV falando que fez isso e aquilo. Quando? Onde? Para quem? E quem ser governador.
- Tem razão. Não te tiro a razão. Só peço que poupe os meus clientes.
- Tu acredita em democracia? Heim?
- Por isso mesmo, amigo. Por ser democracia deixo a TV ligada até na hora da propaganda eleitoral gratuita... Tem gente que gosta de assistir.
- E quem não gosta? Como é que fica? Já usou da democracia para deixar esse negócio ligado ou desligado? Já perguntou pra sua freguesia quem gosta e quem não gosta?
- Tem razão, Nunca perguntei. Mas não acha que mesmo os que não gostam devem assistir o programa para conhecer os candidatos?
- Eita... Tá complicado e esquentando. Então eu é que saio daqui. Fica ai com o troco e com o resto da comida, porque assim, com essa TV ligada em bobagem eu não consigo comer.
E assim a política feita por maus políticos provocou mais um racha, depois de consolidar coligações absurdas e repetir promessas inconsistentes. Tudo numa hora de almoço.
- Posso abaixar um pouco. Desligar não desligo. Tem gente que gosta disso que está passando.
- Quem? Tem algum mané aqui que gosta disso?
- Pára com isso. Eu tenho freguês antigo almoçando.
- Viu só? Ninguém me respondeu. Quer que eu pergunte de novo?
- Não faça isso. Vai assustar a minha freguesia...
- Tem alguém que almoça assistindo programa eleitoral gratuito? Ei gente, eu só estou fazendo uma pergunta...
- Não incomode as pessoas, amigo. Fica muito mal para mim.
- Ei, ei, ei... Está me estranhando? Eu também sou freguês aqui há bom tempo e quero comer sem ter que escutar bobagem desses políticos. Tenho ou não tenho esse direito, pessoal?
- Você está é assustando a minha freguesia. Ninguém responde a sua pergunta. Estão achando que você bebeu...
- Eu bêbado? Ai partiu pra ofensa. Dá tirando uma? Eu só quero comer com apetite esta comida que estou pagando. Esses candidatos me tiram o apetite.
- Você tem razão, meu amigo. Mas não precisa assustador o resto da minha clientela. Olha ai, está todo mundo quieto. Ninguém olha pra você quando faz as perguntas. Não está certo...
- Eu estou errado? Olha ai este que está na TV falando que fez isso e aquilo. Quando? Onde? Para quem? E quem ser governador.
- Tem razão. Não te tiro a razão. Só peço que poupe os meus clientes.
- Tu acredita em democracia? Heim?
- Por isso mesmo, amigo. Por ser democracia deixo a TV ligada até na hora da propaganda eleitoral gratuita... Tem gente que gosta de assistir.
- E quem não gosta? Como é que fica? Já usou da democracia para deixar esse negócio ligado ou desligado? Já perguntou pra sua freguesia quem gosta e quem não gosta?
- Tem razão, Nunca perguntei. Mas não acha que mesmo os que não gostam devem assistir o programa para conhecer os candidatos?
- Eita... Tá complicado e esquentando. Então eu é que saio daqui. Fica ai com o troco e com o resto da comida, porque assim, com essa TV ligada em bobagem eu não consigo comer.
E assim a política feita por maus políticos provocou mais um racha, depois de consolidar coligações absurdas e repetir promessas inconsistentes. Tudo numa hora de almoço.
domingo, 15 de agosto de 2010
Crônica - Deixa o menino brincar de PT, tadinho...
A mulher chega com os cabelos amassados. Na verdade, o que se vê na cabeça dela é um acerto, algo de improviso para disfarçar que a soneca de depois do almoço desarranjou o penteado armado. O rapaz chega metido num moletom cheirando a sofá e se espreguiça. O senhor da terceira idade cochila na cadeira de encosto duro.
É bem assim o período que antecede uma assembléia de condomínio agendado para um sábado à tarde. Às quinze e trinta em primeira convocação, com pelo menos dois terços de presença. Às dezesseis horas em segunda e última convocação, com qualquer número de participantes.
Jogam-se conversas fora. E é ai que aparecem as personalidades de cada um dos presentes, Aquele ali concorda com tudo. Se disserem que é bom, ele confirma que é bom. Se disserem que é ruim, ele afirma que é ruim. O outro, daquele canto, é especialista em fazer perguntas idiotas do tipo: se chover molha a telha?
E aquela? A conversa dela varia de reunião para outra. Na última, atacou de cidadã preocupada com a segurança. Com este mote ela contou umas cinco histórias de assaltos e arrombamentos, com o sim ou não daqueles que consentem com tudo e com as perguntas idiotas do fulano: então na loja e levou alguma coisa?
É quando chega o doutor. Pelo que se sabe, ela passou a semana articulando. Vejam que este é um palavrão típico de político e seus assessores. Articulou com o síndico, com o vice-síndico, com os conselheiros deliberativos e fiscais e com aquele que consente com tudo. Conversou rapidamente com o que faz perguntas idiotas.
Ele se considera o especialista em fazer as atas. Trás a cabeça e o final prontos. Deixa o recheio para preencher. Normalmente tenta passar no que escreve as propostas que são favoráveis aos seus interesses. Pelo que se percebe, estudou a cartilha do PT de cabo a rabo, pois é um tipo que depende da vitória de determinados candidatos para se dar bem nos empregos.
Fala alto e em tom impositivo. A maioria se cala e consente. E quando suas proposições são derrubadas, ele manipula na ata. A maioria faz de conta que não percebe. E todos saem da sala de reuniões imaginando que participaram da democracia. Ele sai muito satisfeito. Enganou, lubridiou, impôs e se considera vitorioso. Brincou de político mais uma vez.
É bem assim o período que antecede uma assembléia de condomínio agendado para um sábado à tarde. Às quinze e trinta em primeira convocação, com pelo menos dois terços de presença. Às dezesseis horas em segunda e última convocação, com qualquer número de participantes.
Jogam-se conversas fora. E é ai que aparecem as personalidades de cada um dos presentes, Aquele ali concorda com tudo. Se disserem que é bom, ele confirma que é bom. Se disserem que é ruim, ele afirma que é ruim. O outro, daquele canto, é especialista em fazer perguntas idiotas do tipo: se chover molha a telha?
E aquela? A conversa dela varia de reunião para outra. Na última, atacou de cidadã preocupada com a segurança. Com este mote ela contou umas cinco histórias de assaltos e arrombamentos, com o sim ou não daqueles que consentem com tudo e com as perguntas idiotas do fulano: então na loja e levou alguma coisa?
É quando chega o doutor. Pelo que se sabe, ela passou a semana articulando. Vejam que este é um palavrão típico de político e seus assessores. Articulou com o síndico, com o vice-síndico, com os conselheiros deliberativos e fiscais e com aquele que consente com tudo. Conversou rapidamente com o que faz perguntas idiotas.
Ele se considera o especialista em fazer as atas. Trás a cabeça e o final prontos. Deixa o recheio para preencher. Normalmente tenta passar no que escreve as propostas que são favoráveis aos seus interesses. Pelo que se percebe, estudou a cartilha do PT de cabo a rabo, pois é um tipo que depende da vitória de determinados candidatos para se dar bem nos empregos.
Fala alto e em tom impositivo. A maioria se cala e consente. E quando suas proposições são derrubadas, ele manipula na ata. A maioria faz de conta que não percebe. E todos saem da sala de reuniões imaginando que participaram da democracia. Ele sai muito satisfeito. Enganou, lubridiou, impôs e se considera vitorioso. Brincou de político mais uma vez.
sexta-feira, 13 de agosto de 2010
Crônica - E que almoço aquele, hem?
Soube-se em dois minutos que os três trabalhavam com vendas. Em quatro que o chefe era protegido do padrão. Em cinco que a comissão de um deles no último mês foi de dois mil e novecentos reais. Em seis que a matriz havia errado no pagamento daquela comissão. Em sete que o vendedor prejudicado havia telefonado para a moça da matriz. Em oito que a moça da matriz havia respondido que o valor reclamado não era de direito. Em nove que a mesma moça, da matriz, havia dito que o chefe da filial estava pagando um valor indevido aos seus subordinados. E assim foi.
Os autores destas confidenciais são dois homens e uma mulher. Eles tomam conta do restaurante. Falam alto e, se descuidar, espalham perdigotos para as mesas ao redor. Condenam colegas que não participam da mesa. Reclamam de chefes e das condições de trabalho. Estão até que bem vestidos e parecem seres urbanos com certo grau de cultura e consciência de coletividade. Isso nas aparências.
No comportamento, porém, demonstram ser togloditas. Às vezes o tom de voz imita um grito, de tão alto. Quando o telefone celular de um deles toca, o atendimento é aos berros. Todos os freqüentadores do restaurante ficam sabendo do que se trata. Um documento precisa ser assinado e um pacote tem que ser encaminhado para postagem. Mas isso se faz depois do almoço.
Que almoço? Os três trocaram a sala de queixas de uma empresa por um restaurante. Dividiram seus problemas com todos que ali estavam para comer e usufruir de um horário de almoço para esquecer da mesa empilhada de papéis, dos relatórios encalhados nos arquivos dos computadores, das correspondências a serem enviadas.
E o horário de almoço perdeu o estatus de ser um momento mágico, um tempo de dar um tempo, um intervalo para não falar nada, uma oportunidade de conversar sobre coisas diferentes daquelas que são monologadas nos ambientes de trabalho. Os três conseguiram tirar o apetite de uns trinta. E se deram por satisfeitos.
Os autores destas confidenciais são dois homens e uma mulher. Eles tomam conta do restaurante. Falam alto e, se descuidar, espalham perdigotos para as mesas ao redor. Condenam colegas que não participam da mesa. Reclamam de chefes e das condições de trabalho. Estão até que bem vestidos e parecem seres urbanos com certo grau de cultura e consciência de coletividade. Isso nas aparências.
No comportamento, porém, demonstram ser togloditas. Às vezes o tom de voz imita um grito, de tão alto. Quando o telefone celular de um deles toca, o atendimento é aos berros. Todos os freqüentadores do restaurante ficam sabendo do que se trata. Um documento precisa ser assinado e um pacote tem que ser encaminhado para postagem. Mas isso se faz depois do almoço.
Que almoço? Os três trocaram a sala de queixas de uma empresa por um restaurante. Dividiram seus problemas com todos que ali estavam para comer e usufruir de um horário de almoço para esquecer da mesa empilhada de papéis, dos relatórios encalhados nos arquivos dos computadores, das correspondências a serem enviadas.
E o horário de almoço perdeu o estatus de ser um momento mágico, um tempo de dar um tempo, um intervalo para não falar nada, uma oportunidade de conversar sobre coisas diferentes daquelas que são monologadas nos ambientes de trabalho. Os três conseguiram tirar o apetite de uns trinta. E se deram por satisfeitos.
quinta-feira, 12 de agosto de 2010
Conto - Bocejos...
Era uma sala de espera sem muita coisa para ver à frente e nos lados. As cadeiras de plástico, algumas com encostos quebrados, estavam dispostos como numa sala de aula.
O chão de piso frio apresentava manchas. Na parede da frente, atrás da fileira de guichês, somente um mostrador eletrônico com o número da senha de atendimento e da sala para onde a pessoa devia se dirigir.
No lado esquerdo um painel com aviso de horário de funcionamento, documentos necessários e outras informações gerais. E o trivial, necessário, recomendado e obrigatório: um extintor de incêndio.
À direita, somente o branco manchado, quase encardido, que terminava numa porta que dava para um corredor. Sabia-se que ali eram feitos os atendimentos, mas marinheiros de primeira viagem desconheciam se a frieza lá dentro era igual cá fora.
Algumas pessoas aguardavam havia horas. Ouviu-se daquela senhora na primeira fila, entre o homem de chapéu de palha e a criança de blusa vermelha, que ela desembarcou no ponto de ônibus próximo lá pelas seis e vinte da manhã. E já passava de onze e quarenta.
O rapaz de jaqueta de couvim e capacete de motociclista no colo, segundo consta foi o primeiro da fila da senha e ainda ocupava a última cadeira da terceira fila. Imóvel, olhar distante, como se o destino houvesse determinado que ali era o seu lugar e ali deveria permanecer quieto.
A moça da quinta fila de cadeiras, à esquerda, exercitava-se com a boca. Quando não mascava o chiclete, atendia o celular. Às vezes falava alto, como se quisesse que todos ouvissem. Em outros momentos quase balbuciava, preocupando-se com as pessoas ao redor toda vez que se pronunciava.
Um vigia uniformizado ia e vinha, de um lado a outro, de trás para frente, do outro lado ao outro, da frente para trás. O seu papel, pelo que se percebeu, era o de manter a ordem do local. Receio, talvez, que alguém se rebelasse pela demora.
Preocupação desnecessária. Os quarenta ou cinquenta pacientes que esperavam a vez já sabiam ser dependentes de um sistema público. E não era nem por conformismo que as pessoas esperavam quietas. Na verdade, era por conveniência.
Ninguém estava disposto a reclamar com pessoas que escutavam, mas não ouviam. Ou ouviam, mas não escutavam. Quando viam, não enxergavam. E quando enxergavam não viam. Frios, quando não agrediam com respostas deselegantes às pessoas que exigiam explicações, limitavam-se a murmurar que a demora não era por culpa deles. E ninguém sabia quem era o culpado.
O chão de piso frio apresentava manchas. Na parede da frente, atrás da fileira de guichês, somente um mostrador eletrônico com o número da senha de atendimento e da sala para onde a pessoa devia se dirigir.
No lado esquerdo um painel com aviso de horário de funcionamento, documentos necessários e outras informações gerais. E o trivial, necessário, recomendado e obrigatório: um extintor de incêndio.
À direita, somente o branco manchado, quase encardido, que terminava numa porta que dava para um corredor. Sabia-se que ali eram feitos os atendimentos, mas marinheiros de primeira viagem desconheciam se a frieza lá dentro era igual cá fora.
Algumas pessoas aguardavam havia horas. Ouviu-se daquela senhora na primeira fila, entre o homem de chapéu de palha e a criança de blusa vermelha, que ela desembarcou no ponto de ônibus próximo lá pelas seis e vinte da manhã. E já passava de onze e quarenta.
O rapaz de jaqueta de couvim e capacete de motociclista no colo, segundo consta foi o primeiro da fila da senha e ainda ocupava a última cadeira da terceira fila. Imóvel, olhar distante, como se o destino houvesse determinado que ali era o seu lugar e ali deveria permanecer quieto.
A moça da quinta fila de cadeiras, à esquerda, exercitava-se com a boca. Quando não mascava o chiclete, atendia o celular. Às vezes falava alto, como se quisesse que todos ouvissem. Em outros momentos quase balbuciava, preocupando-se com as pessoas ao redor toda vez que se pronunciava.
Um vigia uniformizado ia e vinha, de um lado a outro, de trás para frente, do outro lado ao outro, da frente para trás. O seu papel, pelo que se percebeu, era o de manter a ordem do local. Receio, talvez, que alguém se rebelasse pela demora.
Preocupação desnecessária. Os quarenta ou cinquenta pacientes que esperavam a vez já sabiam ser dependentes de um sistema público. E não era nem por conformismo que as pessoas esperavam quietas. Na verdade, era por conveniência.
Ninguém estava disposto a reclamar com pessoas que escutavam, mas não ouviam. Ou ouviam, mas não escutavam. Quando viam, não enxergavam. E quando enxergavam não viam. Frios, quando não agrediam com respostas deselegantes às pessoas que exigiam explicações, limitavam-se a murmurar que a demora não era por culpa deles. E ninguém sabia quem era o culpado.
terça-feira, 10 de agosto de 2010
Crônica - Pergunta sem graça, mas proveitosa
O fecho da calça foi o primeiro sinal. Apesar de dois meses de uso freqüente e o mesmo tempo de lavagem do vestuário, a casa do botão metálico, em vez de lacear, parecia ter encolhido. Elaine passou a ter dificuldades para encaixar uma parte na outra. Era um puxa daqui e outro puxa dali, esticando o cós de tecido duro e grosso.
Tentativas seguidas feitas e até que o fato se consumava. Nos dias mais quentes, o suor chegava a descer da testa. O espelho denunciava no esgarçado do pano algo mais que o encolhimento da casa do botão. Ficava um repuxo visível, mas Elaine, se percebia, fazia de conta que não via.
A não aceitação fazia valer qualquer desculpa. Ora era a qualidade da calça. Ora era a mudança da marca do sabão em pó. Um dia Elaine recriminou a empregada doméstica por passar a peça com o ferro na posição a vapor, o que endurecia o tecido e tornava o vestuário desconfortável.
Mas outros sinais apareciam dia após dia. Calça fechada, cós repuxado e sobravam por cima dele pelancas que antes só eram percebidas quando Elaine se sentava. Agora, de pé e bem esticada, as gordurinhas davam um formato preocupante. O espelho avisava, mas Elaine assumia o que um amigo certa vez havia comentado. Para ele, as gordurinhas que ficavam por cima do cós eram interessantes.
Chegou, por fim, a vez da blusinha de malha sintética. Antes ela se ajustava no corpo com uma folguinha estética. Descia bem e deixava à mostra o umbigo. Ontem Elaine retirou a peça do armário e, quando a vestiu, percebeu de fato as diferenças em seu corpo. A blusa ficou mais curta. A folguinha estética desapareceu. Além do umbigo o comprimento da blusa expôs as gordurinhas e formou, na frente do espelho, uma figura muito diferente daquela que Elaine gostaria de ver.
Entre quebrar o impiedoso vidro da verdade, Elaine decidiu esperar por mais um sinal, que não demorou para se manifestar. Hoje cedo Elaine encontrou duas pessoas conhecidas em momentos e situações distintas. A primeira, depois do abraço de cumprimento, perguntou se Elaine estava grávida.
Minutos depois, quando Elaine ainda se assombrava com a pergunta da amiga, outra pessoa chega e faz a mesma pergunta. Só então Elaine se deu conta que estava na hora de trocar o número das roupas para maior.
Tentativas seguidas feitas e até que o fato se consumava. Nos dias mais quentes, o suor chegava a descer da testa. O espelho denunciava no esgarçado do pano algo mais que o encolhimento da casa do botão. Ficava um repuxo visível, mas Elaine, se percebia, fazia de conta que não via.
A não aceitação fazia valer qualquer desculpa. Ora era a qualidade da calça. Ora era a mudança da marca do sabão em pó. Um dia Elaine recriminou a empregada doméstica por passar a peça com o ferro na posição a vapor, o que endurecia o tecido e tornava o vestuário desconfortável.
Mas outros sinais apareciam dia após dia. Calça fechada, cós repuxado e sobravam por cima dele pelancas que antes só eram percebidas quando Elaine se sentava. Agora, de pé e bem esticada, as gordurinhas davam um formato preocupante. O espelho avisava, mas Elaine assumia o que um amigo certa vez havia comentado. Para ele, as gordurinhas que ficavam por cima do cós eram interessantes.
Chegou, por fim, a vez da blusinha de malha sintética. Antes ela se ajustava no corpo com uma folguinha estética. Descia bem e deixava à mostra o umbigo. Ontem Elaine retirou a peça do armário e, quando a vestiu, percebeu de fato as diferenças em seu corpo. A blusa ficou mais curta. A folguinha estética desapareceu. Além do umbigo o comprimento da blusa expôs as gordurinhas e formou, na frente do espelho, uma figura muito diferente daquela que Elaine gostaria de ver.
Entre quebrar o impiedoso vidro da verdade, Elaine decidiu esperar por mais um sinal, que não demorou para se manifestar. Hoje cedo Elaine encontrou duas pessoas conhecidas em momentos e situações distintas. A primeira, depois do abraço de cumprimento, perguntou se Elaine estava grávida.
Minutos depois, quando Elaine ainda se assombrava com a pergunta da amiga, outra pessoa chega e faz a mesma pergunta. Só então Elaine se deu conta que estava na hora de trocar o número das roupas para maior.
terça-feira, 3 de agosto de 2010
Sugestão - Sobre o emprego e o desemprego
Leia em http://foradomercado.blogspot.com o primeiro e o segundo contos da série "O vento pesa". O segundo conto você confere neste blog, logo abaixo. Participe. Apresente a sua sugestão de um enredo. Poste comentário ou envie e-mail para foradomercado@gmail.com ou walterrogama@gmail.com
Agradeço muito
Agradeço muito
segunda-feira, 2 de agosto de 2010
Conto - O vento pesa (2)
A marquise de um prédio comercial próximo foi a salvação. Alternativa proibida nos dias de sol, mesmo com os termômetros batendo nos vinte e oito graus fora da sombra, o abrigo de concreto da loja era permitido sob a chuva.
Maria da Conceição só não entendia se o consentimento era para proteger as trabalhadoras ou para evitar danos às ferramentas de trabalho que elas empunhavam, as bandeiras com nome e número do candidato, sigla partidária e coligações. É que, não se sabe se por descuido ou por franqueza, minutos antes um supervisor passara de carro por todas as esquinas com um aviso: se a chuva engrossar protejam-se onde for possível para não molhar as bandeiras.
Não devia, mas aquilo tornou Maria da Conceição pensativa: “Não fosse a bandeira eu poderia continuar na chuva...” Ainda que entregue ao silêncio, por haver decidido que a partir daquele emprego seria submissa, sem idéias e nem sugestões, sem manifestar descontentamentos e limitando-se aos consentimentos, Maria da Conceição exercitou-se para reduzir a velocidade das batidas do coração. Para isso mexeu na memória e lembrou que, nos empregos anteriores, por muitas vezes enfrentou chuvas. E jamais havia feito dessas ocasiões uma tempestade.
Faltava pouco para o meio-dia. Maria da Conceição aproveitou o intervalo e antecipou o almoço, que naquele dia se limitou a um pão com manteiga e uma banana. Nem água, nem um gole de café para acompanhar. Nas esquinas, agitando as bandeiras, as trabalhadoras tinham que manter as alças das bolsas nos ombros, pois não havia onde deixar os pertences enquanto elas permaneciam no horário de serviço. O local do trabalho, afinal, eram as esquinas.
Além de lavar, passar e limpar com maestria, Maria da Conceição era uma excelente cozinheira. Quando doméstica, por muitas vezes recebeu elogios pelas refeições preparadas com maestria. Foi no momento em que essa lembrança se fez presente, justo quando mordia o pão já amolecido, que algumas gotas de lágrimas desceram pelas faces da mulher.
Maria da Conceição só não entendia se o consentimento era para proteger as trabalhadoras ou para evitar danos às ferramentas de trabalho que elas empunhavam, as bandeiras com nome e número do candidato, sigla partidária e coligações. É que, não se sabe se por descuido ou por franqueza, minutos antes um supervisor passara de carro por todas as esquinas com um aviso: se a chuva engrossar protejam-se onde for possível para não molhar as bandeiras.
Não devia, mas aquilo tornou Maria da Conceição pensativa: “Não fosse a bandeira eu poderia continuar na chuva...” Ainda que entregue ao silêncio, por haver decidido que a partir daquele emprego seria submissa, sem idéias e nem sugestões, sem manifestar descontentamentos e limitando-se aos consentimentos, Maria da Conceição exercitou-se para reduzir a velocidade das batidas do coração. Para isso mexeu na memória e lembrou que, nos empregos anteriores, por muitas vezes enfrentou chuvas. E jamais havia feito dessas ocasiões uma tempestade.
Faltava pouco para o meio-dia. Maria da Conceição aproveitou o intervalo e antecipou o almoço, que naquele dia se limitou a um pão com manteiga e uma banana. Nem água, nem um gole de café para acompanhar. Nas esquinas, agitando as bandeiras, as trabalhadoras tinham que manter as alças das bolsas nos ombros, pois não havia onde deixar os pertences enquanto elas permaneciam no horário de serviço. O local do trabalho, afinal, eram as esquinas.
Além de lavar, passar e limpar com maestria, Maria da Conceição era uma excelente cozinheira. Quando doméstica, por muitas vezes recebeu elogios pelas refeições preparadas com maestria. Foi no momento em que essa lembrança se fez presente, justo quando mordia o pão já amolecido, que algumas gotas de lágrimas desceram pelas faces da mulher.
domingo, 1 de agosto de 2010
Colher - Para o domingo, a voz da irlandesa Enya e o seu show de talento
Baixo do Youtube a canção interpretada por Enya, Paint the sky with star, montado em vídeo para lembrar a menininha Madeleine.
Repentinamente, diante de meus olhos
Matizes de índigo surgem.
Com eles que meu espírito suspira.
Pinte o céu com estrelas.
Apenas a noite saberá
Porque os céus nunca revelam.
Todos os sonhos que existem para se conhecer.
Pinte o céu com estrelas.
Quem percorreu o céu da meia-noite ?
Para isso um espírito tem que voar
Pois os céus parecem tão distantes.
Agora quem vai pintar a estrela da meia-noite ?
A noite trouxe para aqueles que dormem,
Apenas sonhos que não conseguem manter.
Eu tenho inscrições no interior.
Pinte o céu com estrelas
Quem percorreu o céu da meia-noite ?
Para isso um espírito tem que voar
Pois os céus parecem tão distantes.
Agora quem vai pintar a estrela da meia-noite ?
Dê um nome para a noite
Um para deixar seu coração em chamas,
E para fazer a escuridão clarear
Pinte o céu com estrelas
Na postagem abaixo, mais Enya.
com
Repentinamente, diante de meus olhos
Matizes de índigo surgem.
Com eles que meu espírito suspira.
Pinte o céu com estrelas.
Apenas a noite saberá
Porque os céus nunca revelam.
Todos os sonhos que existem para se conhecer.
Pinte o céu com estrelas.
Quem percorreu o céu da meia-noite ?
Para isso um espírito tem que voar
Pois os céus parecem tão distantes.
Agora quem vai pintar a estrela da meia-noite ?
A noite trouxe para aqueles que dormem,
Apenas sonhos que não conseguem manter.
Eu tenho inscrições no interior.
Pinte o céu com estrelas
Quem percorreu o céu da meia-noite ?
Para isso um espírito tem que voar
Pois os céus parecem tão distantes.
Agora quem vai pintar a estrela da meia-noite ?
Dê um nome para a noite
Um para deixar seu coração em chamas,
E para fazer a escuridão clarear
Pinte o céu com estrelas
Na postagem abaixo, mais Enya.
com
Música - Nenhum dia, nenhuma noite, nenhum momento...
Livro Dos Dias, interpretado por Enya, em vídeo baixado do Youtube.
Um dia, uma noite, um momento,
meus sonhos poderiam ser amanhã.
Uma passo, uma queda, um vacilo.
Leste ou oeste, pela Terra ou pelo oceano.
Um meio para seguir minha jornada.
Este caminho poderia ser o meu Livro dos Dias.
De dia a dia, minha jornada,
uma longa estrada diante de mim
De noite a noite,
minha jornada as histórias que ficarão
perdidas para sempre.
Nenhum dia, nenhuma noite, nenhum momento,
me impedirá de tentar.
Eu voarei, eu cairei, eu hesitarei
Eu acharei meu dia talvez,
longe e distante. longe e distante.
Um dia, uma noite, um momento,
com um sonho para acreditar.
Um passo, uma queda, um vacilo.
Encontro um mundo novo atrás de um vasto oceano,
Este caminho se tornou minha jornada.
Esse dia ficará sempre, longe e distante.
Esse dia ficará sempre longe e distante,
longe e distante.
terça-feira, 27 de julho de 2010
Crônica - Às vezes o cantor dá um soco na boca do estômago
Ninguém teve a curiosidade de perguntar ao cantor quanto pagam a ele por noite. Lá pelas dezoito horas ele está se afinando. Sintam, é um cheiro de carne chegando ao ponto na churrasqueira. Comida no tempero certo, salada caprichada, toalhas limpas na mesa e os encostos das cadeiras protegidos com capas de pano. Um luxo.
Aquilo não é qualquer lugar, vê-se de fora. Tem restaurante que nem limpa o bandejão de plástico que serve de suporte para o prato na hora de enfrentar a fila para catar um monte de folhas leves e uma ninharia de carne, arroz e feijão, pois isso pesa muito na balança. O copo do refrigerante chega ensebado. Vai uns cinco guardanapos para limpar o garfo e a faca. E se o freguês tem costume de usar palito de dente, verifique se o produto não é descartado: usou de um lado, passa-se um paninho encardido e coloca-se de volta no paliteiro.
Ali no estabelecimento do cantor que afina o violão sentido a carne assar é muito diferente. Passa muita gente por lá. Claro, passa em frente, porque só entra quem tem cacife. Ou cacique, se for laranja de político que de vez em quando faz um agrado bancando a comida do bobo da corte.
Os frequentadores não tem a mesma cara dos que entram no self service do bandejão sujo. Enquanto neste último a fila demora por causa do critério dos consumidores na escolha do que pesa menos, no restaurante do cantor as pessoas esperam enquanto saboreiam vinhos de rótulos interessantes e preços nobres. E quanto mais demora para a comida chegar na mesa mais vinho de boa marca é consumido.
Ali os frequentadores são pessoas. No bandeijão sujo não passam de sujeitos. Às vezes caem para indivíduos. Quando um policial chega ao local para trocar uma vigilância por uma refeição já chega na porta gritando: "Pára ai maluco..." E a cara daqueles sujeitos ficam mais tristes e inexpressivos: olhar fundo e distante, olheiras nítidas, bochechas pelancosas e aquela lentidão típica de quem está fazendo a última refeição. No restaurante do cantor todos dão risadas de tudo e de quase nada. Até dos sujeitos que passam em frente as pessoas acham graça.
Deve ser interessante comer do bom e do melhor enquanto indivíduos de expressões preocupadas e tristes atravessam por ali. O que aquelas pessoas acham quando percebem que os sujeitos do lado de fora respiram fundo para absorver no cheiro a carne assada? E as recepcionistas uniformizadas na portaria. De que lado elas ficam? Das pessoas ou dos indivíduos?
Mas deu o tempo para o cantor afinar tudo o que tem direito. Violão, voz, garganta, gravata, camisa, comida e as meias, porque elas descem até o calcanhar se não estiverem presas com elástico. Comida? Será que um naco daquilo e daquilo ali faz parte do cachê?
E ele começa. Dedilha, pára. Desarranha a garganta, pára. Até que vai, introduzindo ele mesmo, dedilhando, soltando a voz. Enquanto as pessoas que jantam estão sóbrias, é até audível o que sai, se é que esta palavra existe. Audível? Música popular brasileira, variando do bregão ao sertanejo, da bossa nova ao rock, da balada ao improviso.
As pessoas se empolgam com facilidade. Então começam os pedidos. Outro dia pediram ao menino para tocar e cantar Credence. E foi um soco na boca do estomago dos indívidos que passavam em frente. As pessoas do lado de dentro, como sempre, riram, não de achar engraçado, mas de entender que tinham bom gosto e bons ouvidos. Um garçon confidenciou ao outro, num intervalo: "Pensam que sabem de música, mas só conhecem dinheiro e comida..."
Aquilo não é qualquer lugar, vê-se de fora. Tem restaurante que nem limpa o bandejão de plástico que serve de suporte para o prato na hora de enfrentar a fila para catar um monte de folhas leves e uma ninharia de carne, arroz e feijão, pois isso pesa muito na balança. O copo do refrigerante chega ensebado. Vai uns cinco guardanapos para limpar o garfo e a faca. E se o freguês tem costume de usar palito de dente, verifique se o produto não é descartado: usou de um lado, passa-se um paninho encardido e coloca-se de volta no paliteiro.
Ali no estabelecimento do cantor que afina o violão sentido a carne assar é muito diferente. Passa muita gente por lá. Claro, passa em frente, porque só entra quem tem cacife. Ou cacique, se for laranja de político que de vez em quando faz um agrado bancando a comida do bobo da corte.
Os frequentadores não tem a mesma cara dos que entram no self service do bandejão sujo. Enquanto neste último a fila demora por causa do critério dos consumidores na escolha do que pesa menos, no restaurante do cantor as pessoas esperam enquanto saboreiam vinhos de rótulos interessantes e preços nobres. E quanto mais demora para a comida chegar na mesa mais vinho de boa marca é consumido.
Ali os frequentadores são pessoas. No bandeijão sujo não passam de sujeitos. Às vezes caem para indivíduos. Quando um policial chega ao local para trocar uma vigilância por uma refeição já chega na porta gritando: "Pára ai maluco..." E a cara daqueles sujeitos ficam mais tristes e inexpressivos: olhar fundo e distante, olheiras nítidas, bochechas pelancosas e aquela lentidão típica de quem está fazendo a última refeição. No restaurante do cantor todos dão risadas de tudo e de quase nada. Até dos sujeitos que passam em frente as pessoas acham graça.
Deve ser interessante comer do bom e do melhor enquanto indivíduos de expressões preocupadas e tristes atravessam por ali. O que aquelas pessoas acham quando percebem que os sujeitos do lado de fora respiram fundo para absorver no cheiro a carne assada? E as recepcionistas uniformizadas na portaria. De que lado elas ficam? Das pessoas ou dos indivíduos?
Mas deu o tempo para o cantor afinar tudo o que tem direito. Violão, voz, garganta, gravata, camisa, comida e as meias, porque elas descem até o calcanhar se não estiverem presas com elástico. Comida? Será que um naco daquilo e daquilo ali faz parte do cachê?
E ele começa. Dedilha, pára. Desarranha a garganta, pára. Até que vai, introduzindo ele mesmo, dedilhando, soltando a voz. Enquanto as pessoas que jantam estão sóbrias, é até audível o que sai, se é que esta palavra existe. Audível? Música popular brasileira, variando do bregão ao sertanejo, da bossa nova ao rock, da balada ao improviso.
As pessoas se empolgam com facilidade. Então começam os pedidos. Outro dia pediram ao menino para tocar e cantar Credence. E foi um soco na boca do estomago dos indívidos que passavam em frente. As pessoas do lado de dentro, como sempre, riram, não de achar engraçado, mas de entender que tinham bom gosto e bons ouvidos. Um garçon confidenciou ao outro, num intervalo: "Pensam que sabem de música, mas só conhecem dinheiro e comida..."
segunda-feira, 26 de julho de 2010
Crônica - Bom Dia!
O elevador, de prédio pequeno e antigo, é apertado. Desce do sétimo andar e pára no quarto, onde, às sete e meia da manhã, o casal jovem embarca. Às pessoas que já estão naquele enjaulado sem ar condicionado e de trepidação preocupante, ambos balbuciam um bom dia. Sem ponto de exclamação no final. Quando muito, esboçam um sorriso, nem amarelo e nem transparente. É um ato forçado, um trejeito, uma boca entortada para fazer de conta.
A reação é recíproca. Os passageiros que já vinham descendo também dão um bom dia apagado. Nada mais. Ninguém fala e tampouco disfarça a tosse provocada pelo café tomado às pressas. Nisso existe um assanhamento. Basta o primeiro tossir que o segundo limpa o arranhado da garganta, o terceiro boceja sem tapar a boca com a mão que está livre dos cadernos, e o quarto, ousado, não consegue disfarçar um arroto. E o casal jovem mantém o riso que nem é amarelo e tampouco transparente.
Acontece desse jeito de segunda até sexta. No sábado a rotina se esfacela. No domingo não se vê ninguém. De qualquer forma, elevador é um espelho. É onde vizinhos são obrigados a ficar de frente. Nesse enjaulado o tímido vê o extrovertido olho no olho. O orgulhoso divide espaço com o humilde. O esnobe tem os pés pisados pelo simples.
Elevador de prédio antigo é o mais democrático dos espaços de um condomínio. Entra na mesma subida o patrão, a diarista, o filho do funcionário público e a mãe do lavador de carro. Embarcam na mesma descida a professora, o servidor público aposentado, o escriturário de um banco estatal e o entregador de água.
Deve ser por isso que as pessoas que sobem e descem pouco se falam. Por ser aberto e coletivo, o elevador de prédio antigo desnuda moradores silenciosos que tentam esconder durante o dia os ruídos que atravessam as paredes de noite e nas madrugadas.
A reação é recíproca. Os passageiros que já vinham descendo também dão um bom dia apagado. Nada mais. Ninguém fala e tampouco disfarça a tosse provocada pelo café tomado às pressas. Nisso existe um assanhamento. Basta o primeiro tossir que o segundo limpa o arranhado da garganta, o terceiro boceja sem tapar a boca com a mão que está livre dos cadernos, e o quarto, ousado, não consegue disfarçar um arroto. E o casal jovem mantém o riso que nem é amarelo e tampouco transparente.
Acontece desse jeito de segunda até sexta. No sábado a rotina se esfacela. No domingo não se vê ninguém. De qualquer forma, elevador é um espelho. É onde vizinhos são obrigados a ficar de frente. Nesse enjaulado o tímido vê o extrovertido olho no olho. O orgulhoso divide espaço com o humilde. O esnobe tem os pés pisados pelo simples.
Elevador de prédio antigo é o mais democrático dos espaços de um condomínio. Entra na mesma subida o patrão, a diarista, o filho do funcionário público e a mãe do lavador de carro. Embarcam na mesma descida a professora, o servidor público aposentado, o escriturário de um banco estatal e o entregador de água.
Deve ser por isso que as pessoas que sobem e descem pouco se falam. Por ser aberto e coletivo, o elevador de prédio antigo desnuda moradores silenciosos que tentam esconder durante o dia os ruídos que atravessam as paredes de noite e nas madrugadas.
Música ao vivo - Brasileirinho no Calçadão
Os cambeenses Antonio Sinsic, o Polaco, e Joaquim Inocente, o Tim, deram uma canja durante a apresentação do Grupo de Acordeon Evelina Grandis, de Londrina, no Calçadão de Cambé. Com maestria, tiraram nas sanfonas Brasileirinho, de Waldir Azevedo, enquanto as integrantes do Evelina Grandis faziam uma pausa.
O espetáculo, incluído na programação do Festival de Música de Londrina, aconteceu por esforço da Fundação Cultural e Artística de Cambé. A gravação é precária em áudio e vídeo, pois foi feita com câmera digital amadora. Mas é para se ter uma idéia do que é possível fazer para atrair bom público.
O espetáculo, incluído na programação do Festival de Música de Londrina, aconteceu por esforço da Fundação Cultural e Artística de Cambé. A gravação é precária em áudio e vídeo, pois foi feita com câmera digital amadora. Mas é para se ter uma idéia do que é possível fazer para atrair bom público.
domingo, 25 de julho de 2010
Conto - A quinta esquina
As calçadas com piso quadriculado eram um tormento. Lilico nunca se contentava em atravessá-las. Crescido para os nove anos, mas sem exageros, o menino tinha o corpo magro sustentado por pernas ainda curtas para os quadrados de um metro e meio que forravam o chão, feitos tapetes de concreto. Então ele corria como um saltador para evitar que os dois pés pisassem num mesmo quadriculado.
Não era uma superstição. Era um objetivo, quase uma meta. O prêmio por esse ato era a possibilidade de chegar mais cedo a algum lugar. Escola, casa, mercado, banca de revista ou a sorveteria logo adiante.
Lilico também fazia contagem dos passos de um poste a outro. Nesse exercício estabelecia uma espécie de superação. Se do primeiro ao segundo poste a distância era de oitenta passos, do segundo ao terceiro tinha que diminuir pelo menos três passos. Depois quatro, cinco, seis e cada vez mais, até atingir o seu destino.
Um dia inventou de andar de costas e até ouviu de uma senhora que não devia, pois havia naquele tipo de caminhar uma lenda. Lilico nem ligou, já que em nenhum momento a mulher chamou a atenção por causa do perigo. Na primeira ré o menino deu oito passos. Na segunda tinha que ser nove. Na terceira dez. Esse exercício não ultrapassou o primeiro quarteirão. Lilico não caiu nenhuma vez, mas deu encontrão em três pessoas.
No outro dia estabeleceu a meta de andar de olhos fechados. Cinco passos na primeira fechada de olhos, seis na segunda, sete na terceira e nada mais. A brincadeira chegou ao fim quando o menino passou na frente de um quintal guardado por um cão de latido forte. O susto foi tanto que a adrelina, em vez de provocar alguma reação própria, molhou as calças do menino ao se derramar com a urina.
Em percursos mais longos Lilico marcava os quarteirões. O primeiro no lado direito da rua, o segundo no lado esquerdo. O terceiro e o quarto no lado direito, o quinto e o sexto no lado esquerdo. O sétimo era o destino, então o menino contava como se fossem dois: metade de um lado, metade de outro.
E assim chegou a vez das esquinas. A primeira que dobrou deu para a rua de baixo. Na segunda pegou a via paralela e na terceira retornou para a via anterior. Na quarta foi para a rua de cima. Na quinta caiu num beco sem saída e provou que era tão metódico que desconsiderou tudo o que tinha andado. Não levou em conta que conheceu calçadas novas, postes diferentes, muros estranhos e viveu fora do cotidiano dos quadriculados por ter feito alguns desvios no caminho de rotina.
Não era uma superstição. Era um objetivo, quase uma meta. O prêmio por esse ato era a possibilidade de chegar mais cedo a algum lugar. Escola, casa, mercado, banca de revista ou a sorveteria logo adiante.
Lilico também fazia contagem dos passos de um poste a outro. Nesse exercício estabelecia uma espécie de superação. Se do primeiro ao segundo poste a distância era de oitenta passos, do segundo ao terceiro tinha que diminuir pelo menos três passos. Depois quatro, cinco, seis e cada vez mais, até atingir o seu destino.
Um dia inventou de andar de costas e até ouviu de uma senhora que não devia, pois havia naquele tipo de caminhar uma lenda. Lilico nem ligou, já que em nenhum momento a mulher chamou a atenção por causa do perigo. Na primeira ré o menino deu oito passos. Na segunda tinha que ser nove. Na terceira dez. Esse exercício não ultrapassou o primeiro quarteirão. Lilico não caiu nenhuma vez, mas deu encontrão em três pessoas.
No outro dia estabeleceu a meta de andar de olhos fechados. Cinco passos na primeira fechada de olhos, seis na segunda, sete na terceira e nada mais. A brincadeira chegou ao fim quando o menino passou na frente de um quintal guardado por um cão de latido forte. O susto foi tanto que a adrelina, em vez de provocar alguma reação própria, molhou as calças do menino ao se derramar com a urina.
Em percursos mais longos Lilico marcava os quarteirões. O primeiro no lado direito da rua, o segundo no lado esquerdo. O terceiro e o quarto no lado direito, o quinto e o sexto no lado esquerdo. O sétimo era o destino, então o menino contava como se fossem dois: metade de um lado, metade de outro.
E assim chegou a vez das esquinas. A primeira que dobrou deu para a rua de baixo. Na segunda pegou a via paralela e na terceira retornou para a via anterior. Na quarta foi para a rua de cima. Na quinta caiu num beco sem saída e provou que era tão metódico que desconsiderou tudo o que tinha andado. Não levou em conta que conheceu calçadas novas, postes diferentes, muros estranhos e viveu fora do cotidiano dos quadriculados por ter feito alguns desvios no caminho de rotina.
sábado, 24 de julho de 2010
Música - Conquiste o Paraíso
Conquiste o paraíso, com vídeo e música na voz de Dana Winner, e tradução abaixo, da versão cantada por Dana.
Conquiste o paraíso
Uma luz brilha no coração das pessoas
Que desafia a escuridão da noite
Uma luz cravada em cada alma
Como asas da esperança levantando vôo
Um dia ensolarado quando nasce um bebê
As pequenas coisas que dizemos
Um brilho especial nos olhos de cada pessoa
Presentes simples, todos os dias
Em algum lugar existe um paraíso
Onde todos encontram libertação
É aqui na terra entre os seus olhos
Um lugar onde encontramos a nossa paz
Venha – abra o seu coração
Estenda as mãos para as estrelas
Acredite no seu poder
Agora, aqui neste local
Aqui nesta terra
Esta é a hora
É um lugar que chamamos de paraíso
Cada um de nós tem o seu próprio
Não tem nome, não, não tem preço
É um lugar que chamamos de lar
Um sonho que alcança além das estrelas
O azul sem fim do céu
Sempre nos perguntando quem somos?
Sempre nos questionando porquê?
Venha – Abra o seu coração
Estenda as mãos para as estrelas
Acredite no seu poder
Agora, aqui neste lugar
Aqui nesta terra
Esta é a hora
Uma lua brilha no coração das pessoas
Que desafia a escuridão da noite
Uma luz cravada em cada alma
Como asas da esperança levantando vôo
Como asas da esperança levantando vôo
No original de Vangelis, não se encontra tradução. A letra é assim:
Conquest of Paradise
(Vangelis)
Mm mm mm, mm mm mm mm mm,
mm mm mm, mm mm mm,
mm mm mm mm, mm mm mm mm mm,
mm mm mm, mm mm mm mm
In noreni per ipe,
in noreni cora;
tira mine per ito,
ne domina.
In noreni per ipe,
in noreni cora;
tira mine per ito,
ne domina.
In noreni per ipe,
in noreni cora;
tira mine per ito,
ne domina.
In romine tirmeno,
ne romine to fa,
imaginas per meno per imentira
mm mm mm, mm mm mm mm mm
mm mm mm, mm mm mmmmm
mm mm mm mm, mm mm mm mm mm
mm mm mm, mm mm mmmmm
mm mm mm, mm mm mmmmm
Conquiste o paraíso
Uma luz brilha no coração das pessoas
Que desafia a escuridão da noite
Uma luz cravada em cada alma
Como asas da esperança levantando vôo
Um dia ensolarado quando nasce um bebê
As pequenas coisas que dizemos
Um brilho especial nos olhos de cada pessoa
Presentes simples, todos os dias
Em algum lugar existe um paraíso
Onde todos encontram libertação
É aqui na terra entre os seus olhos
Um lugar onde encontramos a nossa paz
Venha – abra o seu coração
Estenda as mãos para as estrelas
Acredite no seu poder
Agora, aqui neste local
Aqui nesta terra
Esta é a hora
É um lugar que chamamos de paraíso
Cada um de nós tem o seu próprio
Não tem nome, não, não tem preço
É um lugar que chamamos de lar
Um sonho que alcança além das estrelas
O azul sem fim do céu
Sempre nos perguntando quem somos?
Sempre nos questionando porquê?
Venha – Abra o seu coração
Estenda as mãos para as estrelas
Acredite no seu poder
Agora, aqui neste lugar
Aqui nesta terra
Esta é a hora
Uma lua brilha no coração das pessoas
Que desafia a escuridão da noite
Uma luz cravada em cada alma
Como asas da esperança levantando vôo
Como asas da esperança levantando vôo
No original de Vangelis, não se encontra tradução. A letra é assim:
Conquest of Paradise
(Vangelis)
Mm mm mm, mm mm mm mm mm,
mm mm mm, mm mm mm,
mm mm mm mm, mm mm mm mm mm,
mm mm mm, mm mm mm mm
In noreni per ipe,
in noreni cora;
tira mine per ito,
ne domina.
In noreni per ipe,
in noreni cora;
tira mine per ito,
ne domina.
In noreni per ipe,
in noreni cora;
tira mine per ito,
ne domina.
In romine tirmeno,
ne romine to fa,
imaginas per meno per imentira
mm mm mm, mm mm mm mm mm
mm mm mm, mm mm mmmmm
mm mm mm mm, mm mm mm mm mm
mm mm mm, mm mm mmmmm
mm mm mm, mm mm mmmmm
terça-feira, 20 de julho de 2010
Crônica - As duas flores
Viajavam no mesmo ônibus pelo menos três vezes por semana a caminho do trabalho. Era mais difícil o horário de alguma delas falhar e dar em desencontro do que o contrário. Viam-se, mas não se conheciam. Ninguém do mesmo percurso havia percebido, em qualquer circunstância, uma dar bom dia à outra. Ou diriam alguns que, sim, elas se conheciam de um jeito peculiar.
A mais miúda, de pele morena, tomava o ônibus lá atrás, em local que provavelmente outros passageiros sabiam, mas não aqueles que pegavam a mesma condução depois dela. Magra e sempre metida em calças jeans, prendia os cabelos numa espécie de coque. O arranjo destacava o rosto delicado e a expressão serena.
Ela seguia a viajaram de pé, escorada na barra que separa o motorista dos passageiros. Equilibrava-se nas curvas e nas frenagens, mas demonstrava prazer em ocupar aquele lugar. Prosseguia por quilômetros conversando com o motorista. Houve alguém que entendesse aquilo como uma tentativa de flerte. Os maldosos imaginam assédio. Um ou dois pontos antes de sua parada a morena atravessava a catraca, depois de uma singela despedida de seu interlocutor.
Era naquele trecho que a outra entrava. Também magra, mais alta, cabelos lisos castanhos, ela se escondia atrás das grandes lentes escuras dos óculos. Às vezes vinha de jeans. Outras vezes vestia-se com mais sofisticação, a ponto de atrair olhares dos homens.
No curto trecho até o seu destino, também se escorava na barra que separa o motorista dos passageiros e da mesma forma equilibrava-se nas cursos e nas frenagens. Mais uma coincidência: fazia o percurso todo conversando com o motorista.
Para alguns dos passageiros, aquilo não passava de um capricho. Um dia alguém murmurou para outro alguém: "É muita areia para o caminhãozinho desse motorista". Outros companheiros de viagem usaram de outra artimanha para analisar aquele enredo. Passaram a observar a morena, que ainda esperava pela chegada do seu ponto de descida.
E o que viram foi uma expressão de incerteza, uma quase dúvida misturada com ansiedade, tristeza, raiva e uma forçada submissão por não ter o direito de se manifestar. Até que inquieta ela descia do ônibus e recebia um tchau do motorista, que usava o retrovisor para acenar e simular um beijo com a mão.
O ônibus seguia e a morena prosseguia, a pé, olhando o veículo se afastar. Era quase um ciúme, aquele sentimento que parece a última viagem depois de uma conversa que não chega ao fim, sempre termina na metade, quando chega o ponto de ônibus e uma outra passageira ocupa o seu lugar na barra perto do motorista.
A mais miúda, de pele morena, tomava o ônibus lá atrás, em local que provavelmente outros passageiros sabiam, mas não aqueles que pegavam a mesma condução depois dela. Magra e sempre metida em calças jeans, prendia os cabelos numa espécie de coque. O arranjo destacava o rosto delicado e a expressão serena.
Ela seguia a viajaram de pé, escorada na barra que separa o motorista dos passageiros. Equilibrava-se nas curvas e nas frenagens, mas demonstrava prazer em ocupar aquele lugar. Prosseguia por quilômetros conversando com o motorista. Houve alguém que entendesse aquilo como uma tentativa de flerte. Os maldosos imaginam assédio. Um ou dois pontos antes de sua parada a morena atravessava a catraca, depois de uma singela despedida de seu interlocutor.
Era naquele trecho que a outra entrava. Também magra, mais alta, cabelos lisos castanhos, ela se escondia atrás das grandes lentes escuras dos óculos. Às vezes vinha de jeans. Outras vezes vestia-se com mais sofisticação, a ponto de atrair olhares dos homens.
No curto trecho até o seu destino, também se escorava na barra que separa o motorista dos passageiros e da mesma forma equilibrava-se nas cursos e nas frenagens. Mais uma coincidência: fazia o percurso todo conversando com o motorista.
Para alguns dos passageiros, aquilo não passava de um capricho. Um dia alguém murmurou para outro alguém: "É muita areia para o caminhãozinho desse motorista". Outros companheiros de viagem usaram de outra artimanha para analisar aquele enredo. Passaram a observar a morena, que ainda esperava pela chegada do seu ponto de descida.
E o que viram foi uma expressão de incerteza, uma quase dúvida misturada com ansiedade, tristeza, raiva e uma forçada submissão por não ter o direito de se manifestar. Até que inquieta ela descia do ônibus e recebia um tchau do motorista, que usava o retrovisor para acenar e simular um beijo com a mão.
O ônibus seguia e a morena prosseguia, a pé, olhando o veículo se afastar. Era quase um ciúme, aquele sentimento que parece a última viagem depois de uma conversa que não chega ao fim, sempre termina na metade, quando chega o ponto de ônibus e uma outra passageira ocupa o seu lugar na barra perto do motorista.
domingo, 18 de julho de 2010
Música - Para começar a semana em clima de bom tempo
Na voz de Jessé, Porto Solidão, uma composição de Zeca Bahia e Gincko. Baixado do Youtube.
sábado, 17 de julho de 2010
Crônica - Algum lugar
Marrons, os sapatos atravessam a exata extensão do lugar onde a vista alcança. Sem que se mova a cabeça de um lado ao outro. A preguiça é tanta que evita-se, inclusive, esticar os olhos de lá para cá. Entra primeiro o par esquerdo. Apressado, vem em seguida o direito. Depois o esquerdo, segue o direito, vem o esquerdo, chega o direito, esquerdo, direito, esquerdo, direito.
O pé esquerdo pisa mais reto. O direito entorta para o lado. Vê-se pelo desgaste do salto e denuncia-se pelo couro laceado e torto, formando uma deformidade interessante. Onde está a causa dessa diferença?
O pé direito tem o cadarço mais apertado. Percebe-se pelos laços, que caem milimetricamente acertados pelos lados do sapato, como se o autor daquela amarra medisse diariamente o tamanho das pontas que sobram. O pé esquerdo tem um laço menor que o outro, mas as sobram são iguais. Haveria alguma relação entre o tamanho dos laços e a deformidade do couro laceado?
O pé esquerdo pisa com a ponta bem em frente, como se mirasse a cada passo um alvo muito adiante. O pé direito joga a ponta para fora. É como se recusasse aquele caminho e tentasse um desvio. Seria essa suposta rebeldia a causa da diferença que ela carrega durante o andar de quem calça o par de sapatos marrons?
O pé direito encaixa perfeitamente. O pé direito sobra. Por isso entorta na mudança de passo, quando o calcanhar atinge o chão e o solado desce fazendo uma curva que termina na ponta, antes de ganhar o ar enquanto o outro calcanhar toca o cimento.
Quanto chão, tantas imperfeições no piso, enormidade de surpresas que se passaram. Esquerdo, direito, esquerdo, direito, esquerdo direito. É o caminho à frente, sem parada, sem descompasso e de uma rotina impressionante. No percurso até algum lugar e visto por olhos preguiçosos, na altura do chão, bem rente ao piso, a ponto de observar imperfeições.
O pé esquerdo pisa mais reto. O direito entorta para o lado. Vê-se pelo desgaste do salto e denuncia-se pelo couro laceado e torto, formando uma deformidade interessante. Onde está a causa dessa diferença?
O pé direito tem o cadarço mais apertado. Percebe-se pelos laços, que caem milimetricamente acertados pelos lados do sapato, como se o autor daquela amarra medisse diariamente o tamanho das pontas que sobram. O pé esquerdo tem um laço menor que o outro, mas as sobram são iguais. Haveria alguma relação entre o tamanho dos laços e a deformidade do couro laceado?
O pé esquerdo pisa com a ponta bem em frente, como se mirasse a cada passo um alvo muito adiante. O pé direito joga a ponta para fora. É como se recusasse aquele caminho e tentasse um desvio. Seria essa suposta rebeldia a causa da diferença que ela carrega durante o andar de quem calça o par de sapatos marrons?
O pé direito encaixa perfeitamente. O pé direito sobra. Por isso entorta na mudança de passo, quando o calcanhar atinge o chão e o solado desce fazendo uma curva que termina na ponta, antes de ganhar o ar enquanto o outro calcanhar toca o cimento.
Quanto chão, tantas imperfeições no piso, enormidade de surpresas que se passaram. Esquerdo, direito, esquerdo, direito, esquerdo direito. É o caminho à frente, sem parada, sem descompasso e de uma rotina impressionante. No percurso até algum lugar e visto por olhos preguiçosos, na altura do chão, bem rente ao piso, a ponto de observar imperfeições.
terça-feira, 13 de julho de 2010
Crônica - Semblantes
O banco de madeira do Calçadão parece apertado para os dois, embora sejam os únicos a ocupar o equipamento de descanso instalado sob uma árvore do espaço público.
Ele senta num canto e estica o braço direito por cima do encosto. Alguém de longe poderia imaginar que aquilo seria um abraço. Mas a mão, escondida atras das costas dela, segura a madeira com força quase brutal. Como se houvesse uma necessidade: apertar para se manter no local e evitar o distanciamento.
Ela joga os ombros para frente e curva-se escorando o queixo com as duas mãos, cotovelos sobre as coxas e pés jogados para os lados. Diria o observador que a mulher evita o contato com o homem. Repele-o fisicamente e repudia-o sentimentalmente.
Os rostos de ambos tentam escancarar passividade. Ele olha para o lado contrário ao dela e mira distante, numa panorâmica sem foco, como se não buscasse enxergar algo e preferisse naquele momento uma cegueira emocional. Ela encara o chão poucos metros adiante sem mover as pálpebras, como se visse um vazio tão enorme e avassalador quanto o que sente na alma.
Talvez uma vírgula errada na troca de mensagens pelo celular tenha provocado aquela cena. Ou um ponto de interrogação equivocadamente digitado no lugar da exclamação tenha passado no texto do e-mail. Pode ser que os olhares de agora, que pouco ou nada enxergam, tenham se desviado distraidamente no passado. O dele em direção a uma outra mulher, o dela no rumo de um jovem atraente.
Motivos banais provocam situações de distanciamento tão fortes quanto as causas mais nobres. Mas o ciúme nem sempre é o culpado. Uma palavra mal colocada pode transmitir indelicadeza de qualquer das partes. Um sim pode soar como um não. Um não pode ter o impacto de uma agressão. Os seres humanos são sensíveis, o cotidiano é armadilha e a rotina é o gatilho.
Estranhas sensações transmitem os semblantes daqueles dois, sentados há minutos no banco de uma praça pública como se estivessem sozinhos, esperando pelo momento certo da reconciliação. Que saia sol depois da tempestade.
Ele senta num canto e estica o braço direito por cima do encosto. Alguém de longe poderia imaginar que aquilo seria um abraço. Mas a mão, escondida atras das costas dela, segura a madeira com força quase brutal. Como se houvesse uma necessidade: apertar para se manter no local e evitar o distanciamento.
Ela joga os ombros para frente e curva-se escorando o queixo com as duas mãos, cotovelos sobre as coxas e pés jogados para os lados. Diria o observador que a mulher evita o contato com o homem. Repele-o fisicamente e repudia-o sentimentalmente.
Os rostos de ambos tentam escancarar passividade. Ele olha para o lado contrário ao dela e mira distante, numa panorâmica sem foco, como se não buscasse enxergar algo e preferisse naquele momento uma cegueira emocional. Ela encara o chão poucos metros adiante sem mover as pálpebras, como se visse um vazio tão enorme e avassalador quanto o que sente na alma.
Talvez uma vírgula errada na troca de mensagens pelo celular tenha provocado aquela cena. Ou um ponto de interrogação equivocadamente digitado no lugar da exclamação tenha passado no texto do e-mail. Pode ser que os olhares de agora, que pouco ou nada enxergam, tenham se desviado distraidamente no passado. O dele em direção a uma outra mulher, o dela no rumo de um jovem atraente.
Motivos banais provocam situações de distanciamento tão fortes quanto as causas mais nobres. Mas o ciúme nem sempre é o culpado. Uma palavra mal colocada pode transmitir indelicadeza de qualquer das partes. Um sim pode soar como um não. Um não pode ter o impacto de uma agressão. Os seres humanos são sensíveis, o cotidiano é armadilha e a rotina é o gatilho.
Estranhas sensações transmitem os semblantes daqueles dois, sentados há minutos no banco de uma praça pública como se estivessem sozinhos, esperando pelo momento certo da reconciliação. Que saia sol depois da tempestade.
domingo, 11 de julho de 2010
Crônica - Pé de tangerina
O menino passou rente ao muro, tão alto quanto a altura da sua pretensão de ser grande. Dobrou o pescoço o quanto pode e virou a cara no rumo do sol. Apenas um galho do pé de tangerina, do lado de dentro do quintal, mostrou sua ponteira. Envergado de tanto peso, foi como se dissesse ao menino que compartilhasse de sua produção. O galho tinha muitos frutos, maduros e tentadores.
O muro alto fica bem em frente da minha janela. De cima eu vejo o menino que passa rente e encara com inocente cobiça as tangerinas do lado de lá. Não só aquele menino passa encostado ao muro. Muitos outros meninos cobiçam as frutas nas tardes de sol quente. Meninos que já passaram da flor da idade, meninos que tem 30 anos, meninos que somam 40 aniversários, meninos que vão ao trabalho, meninos que retornam da escola.
Alguns desses meninos tentam espichar os braços para apanhar uma fruta. Um cachorro alvoroça-se do lado de lá. Late, irrita, cumpre sua função de garantir a segurança do quintal, fechado com um portão de folhas. Senti vontade de escutar Chico Buarque cantando "Até Pensei", pois eu queria falar do muro e do pé de tangerina, mas não tenho a poesia para contar essa história com sutileza e sensibilidade. Eu empresto a canção do poeta, baixada do Youtube. Compartilhem comigo:
O muro alto fica bem em frente da minha janela. De cima eu vejo o menino que passa rente e encara com inocente cobiça as tangerinas do lado de lá. Não só aquele menino passa encostado ao muro. Muitos outros meninos cobiçam as frutas nas tardes de sol quente. Meninos que já passaram da flor da idade, meninos que tem 30 anos, meninos que somam 40 aniversários, meninos que vão ao trabalho, meninos que retornam da escola.
Alguns desses meninos tentam espichar os braços para apanhar uma fruta. Um cachorro alvoroça-se do lado de lá. Late, irrita, cumpre sua função de garantir a segurança do quintal, fechado com um portão de folhas. Senti vontade de escutar Chico Buarque cantando "Até Pensei", pois eu queria falar do muro e do pé de tangerina, mas não tenho a poesia para contar essa história com sutileza e sensibilidade. Eu empresto a canção do poeta, baixada do Youtube. Compartilhem comigo:
segunda-feira, 5 de julho de 2010
Crônica - Febre, insensatez e cegueira
Parecia uma enorme batata quente tirada de uma panela de pressão após um cozimento demorado. Pesada e meio ovalada, com uma ponta mais fina que a outra, um lado mais gordo que o outro, uma imperfeição ali, um calombo aqui.
Aquilo era simbolicamente o começo de um sonho ruim, desses que se tem quando se dorme com febre. Era com aquela deformidade que os meninos teriam que marcar pontos. Passar, receber, driblar, chutar, acertar o gol adversário faziam parte da missão. E a batata, que era a bola, fervia. Cabeceava-se com o risco de queimar a testa.
Então os meninos fechavam os olhos, na vã esperando de errar. Que a batata passasse longe, mesmo que caisse, de presente, nos pés do adversário. Mantinha-se a cegueira propositalmente, mas, na verdade, aquela cegueira era mais profunda que o não enxergar. Vinha da necessidade de não querer ver.
Corriam, assim, sobre um gramado tão rude quanto uma espinheira. A pele coçava e a coceira chegava ao ardor. Sangrava, senão na superficie, lá dentro, na alma. E a mente, atabalhoada, comandava uma estratégia insensata: passa a batata pra lá, recebe a batata aqui, queima um peito numa recepção de improviso, baqueia a coxa num lance, estoura uma cabeça numa tentativa de gol.
Aos poucos se perdia o rumo. Na mesma medida o placar adversário pulava vantagens. A torcida virava inimiga. O adversário assumia a postura de carrasco. E a batata, mais quente, mais disforme, pesava na batida dos pés. O chute saia torto, o gol estava em qualquer lugar.
Em algum canto um resultado. Era uma derrota, um efeito febril advindo de uma cegueira que não se enxerga o senso, o sentido, o rumo, a razão, o objetivo e a meta. Assim os meninos voltaram da Copa da África, sem saber o que foram fazer lá.
Aquilo era simbolicamente o começo de um sonho ruim, desses que se tem quando se dorme com febre. Era com aquela deformidade que os meninos teriam que marcar pontos. Passar, receber, driblar, chutar, acertar o gol adversário faziam parte da missão. E a batata, que era a bola, fervia. Cabeceava-se com o risco de queimar a testa.
Então os meninos fechavam os olhos, na vã esperando de errar. Que a batata passasse longe, mesmo que caisse, de presente, nos pés do adversário. Mantinha-se a cegueira propositalmente, mas, na verdade, aquela cegueira era mais profunda que o não enxergar. Vinha da necessidade de não querer ver.
Corriam, assim, sobre um gramado tão rude quanto uma espinheira. A pele coçava e a coceira chegava ao ardor. Sangrava, senão na superficie, lá dentro, na alma. E a mente, atabalhoada, comandava uma estratégia insensata: passa a batata pra lá, recebe a batata aqui, queima um peito numa recepção de improviso, baqueia a coxa num lance, estoura uma cabeça numa tentativa de gol.
Aos poucos se perdia o rumo. Na mesma medida o placar adversário pulava vantagens. A torcida virava inimiga. O adversário assumia a postura de carrasco. E a batata, mais quente, mais disforme, pesava na batida dos pés. O chute saia torto, o gol estava em qualquer lugar.
Em algum canto um resultado. Era uma derrota, um efeito febril advindo de uma cegueira que não se enxerga o senso, o sentido, o rumo, a razão, o objetivo e a meta. Assim os meninos voltaram da Copa da África, sem saber o que foram fazer lá.
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